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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 367-533, jul./dez. 2024468Resta bastante evidente que a reclamada exerce seu poder regulamentar ao impor inúmeros regramentos que, se desrespeitados, podem ocasionar, inclusive, a perda do acesso ao aplicativo.Consultando seu sítio eletrônico, verifica-se a existência de um código de conduta que proíbe, dentre outras coisas, recusar o embarque de animais condutores de cegos, fazer uso de álcool ou drogas enquanto dirige ou fazer perguntas pessoais aos passageiros.O controle destas regras e dos padrões de atendimento durante a prestação de serviços ocorre por meio das avaliações em forma de notas e das reclamações feitas pelos consumidores do serviço. Aqui cabe um adendo: somente o avanço tecnológico da sociedade em rede foi capaz de criar essa inédita técnica de vigilância da força de trabalho. Trata-se de inovação da organização “uberiana” do trabalho com potencial exponencial de replicação e em escala global.Afinal, já não é mais necessário o controle dentro da fábrica, tampouco a subordinação a agentes específicos ou a uma jornada rígida. Muito mais eficaz e repressor é o controle difuso, realizado por todos e por ninguém. Neste novo paradigma, os controladores, agora, estão espalhados pela multidão de usuários e, ao mesmo tempo, se escondem em algoritmos que definem se o motorista deve ou não ser punido, deve ou não ser “descartado”.Assim, toda a narrativa de que os motoristas têm flexibilidade e independência para utilizar o aplicativo, fazer seus horários e prestar seus serviços quanto e como quiserem sobrevive apenas no campo do marketing.Ora, esta circunstância desmonta a ideia segundo a qual a Reclamada se constitui apenas como empresa que fornece plataforma de mediação entre motorista e seus clientes. Se assim fosse, uma vez quitado o valor pelo uso do aplicativo, não haveria nenhuma possibilidade de descadastramento.Resumindo, os algoritmos de controle não só dispensavam os trabalhadores que não obtinham a classificação desejada pela empresa, como também eram responsáveis por obstar o trabalho daqueles que recusavam acionamento.E, assim, entramos neste ‘admirável mundo novo’ no qual os atos humanos de exteriorização do poder diretivo e fiscalizatório não mais se fazem necessários e são substituídos por combinações algorítmicas, reclamando, consequentemente, novas dimensões teóricas e atualizações do Direito do Trabalho para que este importante e civilizatório ramo do direito não deixe passar despercebida a totalizante forma de subordinação e controle construídas dentro de uma forma de flexibilização.
                                
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