Page 465 - Demo
P. 465


                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 367-533, jul./dez. 2024465De igual modo, o conjunto probatório fornece elementos de convicção quanto à exigência, ainda que muitas vezes velada, de que os motoristas estejam em atividade de forma sistêmica.A presença deste elemento fático-jurídico na relação jurídica travada entre as partes fica ainda mais evidente sob o prisma da teoria dos fins do empreendimento que consagra não ser eventual o trabalhador chamado a desenvolver seus misteres para os fins normais da empresa.Antes, prefacialmente, cabe a indagação: afinal, quais são os fins normais da reclamada? Trata-se de uma empresa de tecnologia que apenas faz a interface entre pessoas ou uma moderna empresa de transporte de passageiros?Essa reflexão deve ser orientada, novamente, pelo Princípio da primazia da realidade sobre a forma, segundo o qual “em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” (Américo Plá Rodriguez - Princípios do Direito do Trabalho).A doutrina define o contrato de transporte de pessoas da seguinte maneira: “(...) é o negócio por meio do qual uma parte - o transportador - se obriga, mediante retribuição, a transportar outrem, o transportado ou passageiro, e sua bagagem, de um lugar para outro.” (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Dos contratos de hospedagem, de transporte de passageiros e de turismo. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 84-8).Note-se que esse é exatamente o contrato firmado entre o usuário e a demandada quando uma viagem é solicitada no aplicativo. A reclamada define o preço a ser cobrado e escolhe unilateralmente o condutor responsável e o veículo a ser utilizado, sendo, por conseguinte, a fornecedora do serviço de transporte.Tanto é que já há julgados responsabilizando a empresa por vícios na prestação de serviços decorrentes de erros do motorista na condução do veículo, podendo ser citado à guisa de exemplo o processo 0801635-32.2016.8.10.0013 tramitado no 8º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís/MA. Não poderia ser diferente diante da nítida relação de consumo entre ela e os usuários do aplicativo.É importante registrar aqui, porque reveladora de sua real atividade, que a ré recebe quantia percentual (entre 20 a 25%) do preço de cada corrida. Caso fosse mesmo apenas uma empresa de tecnologia a tendência era a cobrança de uma quantia fixa pela utilização do aplicativo, deixando a cargo dos motoristas o ônus e bônus da captação de clientes.
                                
   459   460   461   462   463   464   465   466   467   468   469