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90Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024pois os adeptos da corrente neoliberal conheciam de cor as críticas que lhes eram dirigidas -, hoje talvez tenha alguma utilidade.Não custa observar que o acervo de conhecimentos da IA - que a cada dia sobe de todos os computadores até às nuvens - é imensamente maior do que o nosso, em termos individuais. Mas por outro lado esconde uma falha, um déficit, na medida em que não consegue extrair (pelo menos ainda) elementos intangíveis, de ordem subjetiva, como as influências que recebemos pelos caminhos da emoção. Dizendo de outra forma, é possível que até a nova fórmula criada por um matemático tenha brotado numa tarde no parque, quando os seus pensamentos se misturavam com o cantar de um sabiá, ao passo que a máquina seria incapaz dessa proeza.HÁ OUTROS FATORES SUBJETIVOS EM JOGO?Há pouco tempo, numa rede de TV, um neurocientista famoso - Miguel Nicolelis, admirado dentro e fora do País - fez uma previsão preocupante: Caminhamos para criar milhões de zumbis digitais - ele disse.Em seguida, comparando o cérebro humano a “um grande camaleão”, explicou:“[...] se o nosso mundo se transformar todo aqui fora e viver sob a lógica digital, o cérebro humano vai se adaptar a ele. Então nós vamos reduzir a nossa capacidade cognitiva, intelectual e inteligência ao nível dos sistemas digitais.”No caso de muitos de nós, porém, outros fatores também entram em cena, potencializando aquele modo zumbi de ser. Seleciono aqui apenas um deles - a nossa relação com o tempo. Ela mudou drasticamente, e não apenas no sentido de que tudo se torna mais veloz. Basta nos compararmos ao passado - seja o mais longínquo, seja o mais recente40.Nas eras primitivas, pelo que se supõe, a referência era o passado. Repetir o que já havia sido feito era o modo mais seguro de evitar os riscos 40 MAFFESOLI, Michel. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2003. BOUNAN, Michel. La folle histoire du monde. Paris: Allia, 2006, p. 25 e segs; VIANA, Márcio Túlio. O sindicato e os sentimentos dos(as) trabalhadores(as). In: VIANA, Márcio Túlio. A crise sindical e as nossas emoções. Belo Horizonte: RTM, 2025, p. 19 e segs.

