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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 117-137, jul./dez. 2024134[...] os humanos delegam à tecnologia aspectos relacionados à própria mente. A informação, porém, não é autoexplicativa; ela depende de um contexto. Para ser útil - ou pelo menos significativa - ela precisa ser compreendida através das lentes da cultura e da história (Schmidt; Huttenlocher; Kissinger, 2023, p. 46).O ser humano preserva o sentido de sua existência ao preservar a sua identidade histórica, a sua cultura denotativa de uma tradição, ou seja, de algo que se transmite (transmittere) e se torna tradição (tradere). Atual e necessária, assim, a advertência de Lima Vaz, no sentido de que[...] a hipertrofia sem limites do fazer técnico de uma parte e, de outra, a captação da ciência histórica nas malhas da ideologia, que faz do conhecimento passado simples instrumento dos interesses e lutas do presente, minam e finalmente destroem o terreno da tradição9 (Lima Vaz, 1993, p. 256).Em um processo dialético, o ser humano a um só tempo forma a tradição e é formado por ela. Formar a tradição e se formar na tradição equivale ao contínuo processo de afirmação do sentido humano de existência, nesta “travessia” que se afigura como fio condutor da história, impassível de encontrar um equivalente na simples passagem mecânica de dados do input ao output de modelos de inteligência artificial generativa.Riobaldo Tatarana, narrador personagem daquela que representa uma das maiores obras literárias da cultura brasileira, Grande Sertão: Veredas, assim discorre, em um dos seus relatos: \que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas - e no meio da travessia não vejo! - só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada” (Rosa, 2019, p. 43). E a genialidade de Guimarães 9 Tal conjuntura deixa “[...] aberto apenas o espaço sem referenciais do niilismo ético, onde política e história se degradam em pura técnica do poder em discurso da ficção ideológica. Assim, não obstante a suspeição que pesa sobre o termo ‘tradição’ nesses tempos de desagregação e descrédito nas linguagens instituídas, torna-se urgente a reflexão sobre o verdadeiro conceito de tradição e sobre o seu conteúdo ético. Na verdade, esse se apresenta como o único caminho através do qual será possível reencontrar o sentido da política como sabedoria e o da história como mestra da vida” (Lima Vaz, 1993, p. 256).
                                
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