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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 367-533, jul./dez. 2024510Como ficou evidenciado no depoimento testemunhal acima transcrito, o que também é de conhecimento público e notório, há um padrão de qualidade traçado pelas empresas de plataforma de transporte, sendo a fiscalização realizada por meio das avaliações dos clientes. Trata-se, pois, de uma inegável expressão do poder diretivo daquele que organiza, controla e regulamenta a prestação dos serviços.Acrescente-se que, pela análise do histórico empregado, a ré podia controlar o tempo real de trabalho dos motoristas, por meio de dados como a rota realizada, a duração e o número de viagens, não tendo a reclamada logrado comprovar a eventualidade na prestação dos serviços do reclamante.Oportuno apontar ainda a existência da política de premiação, com vistas a incentivar o motorista a trabalhar em dias de grande demanda, de modo que, ainda que os motoristas pudessem escolher os horários em que permaneceriam online, como admitido pelo autor, a ré lançava mão de artifícios para estimular um maior tempo de trabalho dos motoristas.Merece atenção, ainda, o estudo feito por TODOLÍ (2016), segundo o qual a Uber, em vez de controlar o processo produtivo, a dizer, a tarefa realizada em si, exerce um controle a posteriori, podendo prejudicar o trabalho se não houver qualidade o suficiente, e, também, um controle a priori, ao não contratar trabalhadores que não possuem boas avaliações em seu histórico online. Neste momento de neotaylorismo, o controle do tempo de trabalho é irrelevante, uma vez que às plataformas virtuais interessa o serviço prestado, e o controle do tempo está inserido diretamente no preço. Também merece atenção a análise feita por CHAVES JR. (2016), que, ao refletir sobre os argumentos de que a flexibilidade de horário e a falta de controle da assiduidade seriam indicativos de trabalho autônomo, pondera que “no capitalismo cognitivo não é mais relevante este controle individualizado, pois somente na linha de produção fordista se mostrava essencial a disciplina individual dos trabalhadores, posto que na dinâmica linear a falha de um interromperia todo o circuito produtivo” (CHAVES JR, José Eduardo de Resende. Motorista do Uber poderá ser considerado empregado no Brasil. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,M1237918,41046Motorista+do+Uber+podera+ser+ considerado+empregado+no+Brasil. Acesso em: 28.07.2016).Por fim, o fato de que era o motorista quem, efetivamente, assumia o risco da forma de trabalho, inclusive pela assunção dos gastos, não implica reconhecer a autonomia do trabalhador, mas mera transferência ilícita dos riscos do negócio, em evidente ofensa ao princípio da alteridade.

