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                                    68Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024É certo que, na modernidade, o positivismo contribuiu para superar - ou deixar de lado - esse tipo de debate, separando ou tentando separar a união daqueles jotas. Já então, o importante passou a ser apenas a forma pela qual a norma se produzia e a Justiça a aplicava, e não exatamente o seu conteúdo. E desse modo a Justiça se viu aliviada do enorme peso da justiça.No entanto, embora conserve, até hoje, boa parte de seu prestígio, esse modo de pensar e de sentir sempre encontrou, digamos assim, uma certa resistência na esfera trabalhista, ainda que nem sempre percebida ou declarada. É que o Direito do Trabalho, como também sabemos, nasceu e cresceu quase ao contrário dos outros ramos jurídicos. O seu DNA é diferente2. E por duas razões, pelo menos.De um lado, é diferente por ter representado, desde a sua origem, uma nova postura do cidadão diante da norma jurídica; uma postura não mais de resignação, nem apenas de indignação, mas também de rebeldia. E uma rebeldia positiva, que rendeu frutos.Basta notar que as suas normas foram brotando - direta ou indiretamente - dos trabalhadores, ou seja, das mesmas mãos que faziam nascer os bens de consumo. E nesse caso eram eles próprios que as consumiam. Mesmo o nosso Vargas levou em conta esse fato, tanto ao atender como ao se adiantar às exigências operárias. E até as normas que importamos da Europa chegaram aqui banhadas de sangue.Assim, seja aqui ou seja lá, o fato é que a resistência operária esteve sempre presente no Direito do Trabalho - afetando o seu conteúdo e, portanto, a sua aplicação. E influindo também, até certo ponto, em sua eficácia social, sobretudo graças à greve (realizada ou em potência). Dito de outra maneira, o sindicato sempre ajudou, historicamente, tanto a criar o preceito como a reforçar a sanção - o que também explica a relação entre a sua fragilidade atual e a do próprio Direito.Por outro lado, como causa e consequência dessa sua origem, o Direito do Trabalho - ainda que também sirva à classe dominante - não se contenta em manter a paz social, como se costuma dizer do Direito Civil; sempre quis também construí-la, reduzindo as desigualdades, ou pelo menos tanto quanto possível reduzi-las num sistema desigual por natureza.2 Para citar o belo insight dos amigos: ALMEIDA, Cleber Lúcio de; ALMEIDA, Wânia Rabêllo Guimarães de. Diálogos em sociologia do trabalho: a precariedade laboral no Brasil. Belo Horizonte: Conhecimento, 2021.
                                
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