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                                    69Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024Quanto ao Processo do Trabalho, acaba refletindo esse particularismo tão intenso do Direito Material, como há tempos ensinava um grande jurista3. A esfera processual está presa à material, e não apenas para ajudar a realizá-la, concretamente, mas para reforçar o seu espírito, quase como uma espécie de continuação.Assim, de um lado temos um Direito sonhador. Um Direito que - também por isso - já foi chamado de adolescente, cheio de vida, e rente à vida. Um Direito inquieto, ou desinquieto, já que sempre insatisfeito com as suas próprias conquistas. Um Direito menos vaidoso e pomposo, refletindo, também nesse ponto, as pessoas que o ajudaram a nascer e a crescer.De outra parte, temos um Processo condenado a sonhar também, pelo menos em certa medida, pois de outro modo não realizaria o Direito. E tudo isso faz com que, na esfera trabalhista, a Justiça simplesmente não possa se distanciar da justiça, sob pena de se transformar no seu contrário.Dito de outro modo, o acesso à Justiça com “J” não pode ignorar o acesso à justiça com “j”. Quando, eventualmente, os jotas se separam, podemos até produzir uma sentença bela, mas vazia; e o mais coerente será então trocarmos de ofício ou nos conformarmos, tristemente, à ideia de que o Direito do Trabalho serve apenas às classes dominantes.É verdade, como eu dizia, que hoje há todo um contexto que conspira contra aquela junção dos jotas. E esse contexto é ainda mais desfavorável em países como o nosso, e não apenas por seu passado recente de escravização. Basta o exemplo do FGTS. Apesar de seus aspectos positivos, veio facilitar as despedidas, fazendo do empregador - como escreveu um grande mestre4 - “o detentor do contrato”.De fato, como é fácil despedir, mais fácil ainda, para o empregador, é violar a lei; na prática, ele a aplica seletivamente5, quando quer, quanto quer, onde quer e como quer, tal como faz com a própria força de trabalho. E esse poder continua vivo até mesmo depois da ruptura do contrato, já que uma ação judicial pode inviabilizar o emprego seguinte - o que faz com que apenas uma minoria se arrisque a procurar o juiz. Aliás, o simples fato de o salário vir, em regra, depois do trabalho, faz com que o poder se concentre ainda mais nas mãos do empregador6.3 Délio Maranhão.4 VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Modelo de sistema de garantia de emprego no Brasil. In: Simpósio: Estabilidade e Fundo de Garantia, promovido pelo Instituto de Direito Social, 1979, São Paulo/SP. Estabilidade e Fundo de Garantia. São Paulo: LTr, v. 1, p. 115-132. 5 FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1999. 6 A última observação é de Ivan Alemão.
                                
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