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73Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024Por isso, há pelo menos dois mil anos, diversos povos já atribuíam a entes divinos a missão de apontar a verdade. Eram as chamadas “Ordálias” ou “Juízos de Deus”11.O Código de Hammurabi já as conhecia:Se um cidadão lançou contra um (outro) awilum (uma acusação de) feitiçaria mas não pôde comprovar: aquele contra quem foi lançada (a acusação de) feitiçaria irá ao rio e mergulhará no rio. Se o rio o dominar, seu acusador tomará para si sua casa. Se o rio purificar aquele cidadão e ele sair ileso: aquele que lançou sobre ele (a acusação de) feitiçaria será morto e o que mergulhou no rio tomará para si a casa de seu acusador12.Assim, a verdade não era investigada, mas revelada; Deus, presente ao julgamento, ordenava ao rio o que fazer. Além da fé nos deuses, as Ordálias traduziam a falta de fé nos julgamentos humanos e a esperança de encontrar a Verdade. No Império Romano, cederam passo a outros meios de conhecê-la - mas elas voltaram com os bárbaros.Amaral Santos relata alguns exemplos13. Assim é que, em caso de homicídio, o acusado tocava o umbigo ou as feridas do morto. Se este sangrasse, esbravejasse ou espumasse, o juiz o condenava14. Na prova do pão e do queijo, comia-se até não poder mais. Num fosso cheio de serpentes, quem fosse picado estaria atestando a sua culpa - e já estaria punido.11 As próximas linhas, que trata das Ordálias, também reproduz texto que escrevi: Aspectos curiosos da prova testemunhal: entre verdades, mentiras e enganos. In: VIANA, Márcio Túlio. Dos ardis do futebol à prova testemunhal. Belo Horizonte: RTM, 2018, p. 51/87. 12 BOUZON, E. O Código de Hammurabi. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 25. No texto original, a palavra usada para designar “cidadão” é “awilum”, que segundo os dicionários tem aquele sentido. 13 SANTOS, Moacir Amaral. Tratado da prova judiciária no cível e no comercial. Tomo I. São Paulo: Max Limonad, 1952. 14 Note-se que, depois de afogamentos, os cadáveres costumam espumar; e quando já entrando em processo de decomposição, apresentam gases, o que os faz emitir ruídos que podem talvez ser confundidos com um “esbravejar” (colaboração dos alunos médicos Guilherme Augusto Carvalho Salgado, João Paulo Fonseca Nunes, Juliana Silva Souto Rocha e Thiago Goulart Lovalho, matriculados em 2009 na turma do 8º período de Direito do Trabalho da UFMG, e aos quais agradeço).

