Page 71 - Demo
P. 71
71Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024Como se não bastasse, tanto os pedidos das partes como as decisões do juiz escondem, quase sempre, outros pedidos e decisões. Com frequência, a hora extra que o trabalhador reclama se soma, por exemplo, à vontade de se ver respeitado, em pé de igualdade com o patrão - agora transformado em réu; e esse segundo pleito, não formulado e estranho ao interesse de agir, acaba sendo objeto da sentença, ainda que não seja notado ou sequer buscado racionalmente. No sentido oposto, o réu que se vê condenado a alguns anos de reclusão só percebe mais tarde que a sua sentença incluía também - mesmo fora da lei ou da vontade do juiz - todas as violências do cárcere, como se fossem penas acessórias. E isso para não citar as retaliações que provavelmente irá sofrer pelo resto da vida, mesmo após ter pago a sua dívida para com a sociedade, como é costume se dizer9.Somem-se a tudo isso as circunstâncias que cercam o juiz, mesmo enquanto juiz. Querendo ou não, sabendo ou não, ele recebe de volta os mesmos olhares que deita sobre os personagens da audiência. Tal como fortalecem sua posição, quando o reverenciam com palavras e gestos, as partes e os seus advogados vigiam, hoje, com muito mais avidez os seus movimentos. E o mesmo acontece com a mídia - com reflexos na sociedade como um todo - num tempo em que a imagem ganha um peso muito maior e todos se sentem ou querem se sentir empoderados. Assim, mais do que nunca, o juiz é julgado enquanto julga; e também essa percepção pode condicionar, em novo ricochete, os seus próprios julgamentos.Não custa notar, ainda, os efeitos pouco visíveis do processo de desconstrução que tem golpeado o Direito do Trabalho. Entre tantas outras distorções, as normas vão deslizando, pouco a pouco, de um polo a outro: antes imperativas, vão se tornando dispositivas, mesmo no plano individual. Aliás, no fundo, a própria disponibilidade é falsa - já que, no plano real da vida, é o empregador que impõe imperativamente a sua vontade... Nesse sentido, o dispositivo volta a ser imperativo, com o empregador no lugar do legislador.E esse processo de desconstrução - que não é apenas neoliberal, mas tem elementos do pós-moderno - vem contaminando o juiz. Num tempo muito mais contestador, avesso à autoridade, sem tantos valores sólidos e irônico até consigo mesmo, ele hoje se vê, como eu dizia, ainda mais cobrado, questionado, investigado; e tende a descansar (ou a se defender) na letra pura e simples da lei, sem se dar ao trabalho de buscar nos princípios uma solução mais justa: dura lex sed lex. E o resultado é que os jotas ficam mais distantes um do outro.9 Idem.

