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                                    75Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024Um exemplo dessa evolução está justamente na prova testemunhal. Em geral, no período anterior, as testemunhas apenas atestavam a credibilidade de quem jurava. Depois, como ensina Reis de Paula, elas próprias “[...] passaram a ter de tomar posição com relação ao tema objeto da prova, submetendo-se a um interrogatório para revelarem a ciência própria que tinham dos fatos”19.É dentro desse quadro que penetra, pouco a pouco, o sistema da prova legal ou tarifada - outro esforço para reforçar a sensação de uma sentença racional, verdadeira. Os autores contam quase 100 regras. Duas testemunhas valiam prova plena. Um homem era igual a três mulheres. Um nobre valia cinco plebeus. Um padre tinha o peso de sete. Contra o papa, nada se podia provar. Testis unus, testis nullus20. A prova testemunhal chegava a superar até o documento escrito: témoins passent lettres. O depoente que tergiversava era torturado.A partir do século XV, a situação se inverte: lettres passent témoins. Mas não completamente, pois a testemunha deve confirmar os documentos. As Ordenações do Reino proíbem a prova apenas oral em vários casos, para evitar os “sangrentos conflitos” provocados pelos falsos testemunhos21.Em sua versão medieval, como ensina Foucault, o processo era metáfora da guerra; ou, se preferirmos, uma nova etapa do conflito, com a mesma lógica de antes, embora com outros fins e novas regras22. O vencedor era simplesmente o mais forte, ou o mais hábil, o que em certa medida ainda acontece. Também por isso, nem havia sentença; e poucas vezes se ouviam testemunhas. O árbitro, quando presente, garantia apenas a observância do rito. No entanto, se lembrarmos que as próprias guerras, ou muitas delas, invocavam a intervenção divina, podemos muito bem concluir que o resultado da disputa parecia referendado por Deus.Observa Gulotta23:19 PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 48. 20 MALLET, Estevão. O novo código civil e o direito do trabalho. In DALLEGRAVE NETO, J. A.; GUNTHER, Luiz Eduardo (org.). O impacto do novo Código Civil no Direito do Trabalho.LTr, 2005, p. 65. 21 SANTOS, Moacir Amaral. Tratado..., tomo III, passim. 22 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 60-62. 23 GULOTA, Guglielmo. Verità e realtà processuale. In: FORZA, Antonio (org.). Il processo invisibile: le dinamiche psicologiche nel processo penale. Veneza: Marsilio, Veneza, 1997, p. 281.
                                
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