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70Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024Com a reforma trabalhista, tanto o acesso à Justiça como o acesso à justiça ficaram ainda mais difíceis. Assim como fez em quase todos os pontos, o legislador usou e abusou de meias verdades - como a questão da litigiosidade -, além de fantasias e subterfúgios de toda espécie para reduzir artificialmente o número de demandas trabalhistas. Na verdade, hoje, se o velho art. 9º de nossa CLT fosse alguma espécie de animal faminto, por certo estaria devorando as dezenas de novas regras que ali entraram. Aparentemente, pelas vias normais; fundamentalmente, pela porta dos fundos.De outra parte, há infinitas variáveis que transitam no dia a dia da audiência trabalhista. Por mais que a Justiça tente deixar de fora - até simbolicamente7 - os conflitos selvagens do mundo exterior, suas paredes são porosas; e a sala onde o juiz atua tende a reproduzir, nas pessoas do reclamante e do reclamado, a mesma disparidade de forças que existe entre empregado e patrão. Mesmo com a participação dos advogados e não obstante os eventuais esforços do juiz.Basta observar - só para citar alguns poucos exemplos - o palavreado barroco, as vestes talares, as pastas pretas, o estrado alto, às vezes um segurança na porta e até mesmo, talvez, o ar condicionado ou os móveis da sala, que tendem a desestabilizar o demandante pobre, simples, enquanto deixam à vontade o preposto, já habituado a esse mundo. Mesmo as testemunhas de cada uma das partes são diferentes em termos de confiança, segurança, fluência verbal, capacidade de decodificar os símbolos. Embora haja notáveis exceções, os próprios advogados tendem a ser diferentes em termos de experiência e às vezes até de capacidade.E todos esses fatores, e muitos mais, transitam - quase sempre, invisíveis - pelo ambiente concreto da Justiça. Afinal, se - segundo várias pesquisas - até o nosso poder de crítica é afetado em seguida a um elogio que recebemos; se um rosto mais (ou menos) simpático pode influir na fixação de uma pena; se um certo tom de voz pode nos provocar esta ou aquela reação; ou ainda se o simples fato de o juiz ter ou não ter já almoçado pode levá-lo a relaxar ou não uma prisão, qual não será o peso, por exemplo, dos nossos preconceitos, dos nossos valores ou de nossa história de vida em nossas pequenas e grandes decisões?87 Garapon chama a nossa atenção para os leões, as águias e os monstros que costumam enfeitar as paredes dos velhos palácios da Justiça - tema retomado pela amiga Raquel Portugal Nunes e por mim, no livro “O segundo processo”, publicado pela LTr há alguns anos. 8 Para um exame mais detalhado, veja-se o mesmo livro acima mencionado.

