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76Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 65-96, jul./dez. 2024[...] uma testemunha que tomasse ao pé da letra o que lhe ordenam, isso é, dizer a verdade, ver-se-ia certamente numa situação paradoxal: ciente de que aquilo que pensa em relação ao fato objeto do testemunho não representa o exato desenvolvimento dos eventos, mas (apenas) o modo como os percebeu, interpretou, armazenou na memória e evocou, deveria jurar que aquilo em que acredita ser verdadeiro é (de fato) verdadeiro.Não custa observar, por fim, que “[...] o processo não se desenvolve sobre fatos acontecidos, mas sobre aquilo que é dito sobre os fatos acontecidos”24.A JUSTIÇA, HOJE, É MENOS CONFIÁVEL?Sua proximidade simbólica com o divino - cujos resquícios aparecem ainda em suas roupas, posturas e até (em certos lugares) num martelo que lembra o de Thor - faz com que o juiz se sinta tão forte quanto vulnerável. Forte, quando pensamos que Deus tudo pode; vulnerável, quando nos lembramos que ele não pode errar.Acontece que um dos elementos subjetivos da pós-modernidade é exatamente a incerteza. Tudo ou quase tudo é fluido, inconstante. Já não temos sequer projetos pessoais duradouros. E é difícil até precisar quais são os nossos valores, na medida em que eles próprios tendem a flutuar. Esse clima de incerteza se aplica também às decisões da Justiça e até ao caráter ou honestidade do juiz.Não sem razão, há pouco tempo, “pós-verdade” foi eleita a “palavra do ano” pela Universidade de Oxford. Num clima que também é de mais liberdades, cada um se sente no direito - ou com a tentação - de questionar o que quiser e escolher a sua resposta, por mais inverossímil que seja. Basta lembrar as “denúncias” de fraudes nas urnas eletrônicas ou os apelos a discos voadores para “salvar o Brasil”. Há quem acredite até que o Lula que aí está não é o verdadeiro - mas o quinto clone de uma série de outros Lulas.24 Idem, p. 287.

