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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 237-257, jul./dez. 2024239um contexto de busca por maior eficiência, celeridade e racionalização dos serviços judiciários, particularmente diante do acúmulo de demandas e da histórica morosidade da justiça brasileira.Entretanto, a inserção de tecnologias baseadas em IA no âmbito do Poder Judiciário brasileiro levanta questões que transcendem a simples otimização de fluxos operacionais. Ao automatizar etapas da atividade jurisdicional, como a identificação de temas repetitivos, o agrupamento de demandas e a sugestão de precedentes, corre-se o risco de comprometer valores fundamentais como a isonomia, a individualização das decisões e a própria legitimidade democrática do processo judicial. A aplicação da tecnologia de forma acrítica ou desregulada, além de possibilitar a perpetuação das desigualdades já existentes, pode introduzir novos elementos de opacidade e discricionariedade algorítmica que dificultam o controle institucional e a compreensão pelos jurisdicionados.Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo examinar os limites e as possibilidades do uso da inteligência artificial na triagem e na priorização processual no Judiciário brasileiro. Para a consecução desses objetivos, adota-se uma metodologia pautada na revisão bibliográfica e na análise normativa, com destaque para as diretrizes estabelecidas pela Resolução CNJ nº 332/2020, a Resolução CNJ nº 615/2025 e os marcos regulatórios internacionais da OCDE, da UNESCO e da União Europeia.De forma complementar, realiza-se a análise de dados secundários, extraídos de pesquisas institucionais conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça, notadamente o Painel da Pesquisa sobre Inteligência Artificial no Poder Judiciário e o Relatório Diagnóstico IA 2023. Tais dados permitem a identificação dos principais benefícios percebidos, os desafios enfrentados e o estágio de maturidade dos projetos de IA em desenvolvimento nos tribunais brasileiros, contribuindo para uma compreensão empírica da realidade atual e para o embasamento das reflexões teóricas propostas neste estudo. Parte-se da constatação de que, embora a IA represente um avanço técnico significativo, seu uso no campo judicial deve ser orientado por princípios éticos robustos, supervisão humana contínua e mecanismos eficazes de governança e responsabilização.A pesquisa, portanto, estrutura-se a partir de dois eixos principais. De um lado, busca-se compreender os ganhos potenciais em termos de celeridade, economicidade e racionalização da prestação jurisdicional. De outro, examinam-se os riscos e os dilemas jurídicos e éticos que decorrem da automação, tais como o viés algorítmico, a falta de transparência dos sistemas, a padronização decisória e a exclusão de contextos específicos dos litígios.

