Page 262 - Demo
P. 262


                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 259-303, jul./dez. 2024262profundamente a arquitetura das aplicações de IA no domínio jurídico, ampliando suas capacidades de compreensão, interpretação e geração de linguagem jurídica.Um exemplo paradigmático dessa nova etapa é o programa ASSIS (Apoio à Decisão com Sistemas Inteligentes), desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e homologado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A iniciativa representa um marco na integração entre a racionalidade técnico-científica da inteligência artificial e as práticas decisórias do sistema de justiça brasileiro, introduzindo uma lógica de automação analítica no interior do núcleo da jurisdição.Diante desse novo cenário, este texto revê os riscos potenciais, os desafios ético-epistemológicos e as perspectivas emancipatórias que se abrem para o processo judicial em rede orientado a dados, a partir de uma leitura crítica, filosófica e conectiva do papel da IA na esfera jurisdicional contemporânea.A crescente incorporação de tecnologias algorítmicas no fazer jurisdicional levanta questões profundas sobre a natureza da decisão judicial e a posição do magistrado no interior desse novo ecossistema. Para além das discussões pragmáticas em torno da eficiência, celeridade e padronização das decisões, impõe-se uma reflexão crítica sobre as implicações ontológicas e políticas da introdução da máquina no cerne da atividade sentencial. O debate que se impõe ultrapassa os limites do instrumentalismo técnico: trata-se de pensar o que significa julgar em uma era marcada pela delegação da linguagem e da memória à inteligência artificial - não propriamente do raciocínio, que pode ser conduzido pelo operador humano pelas técnicas de engenharia de prompting1.1 A Engenharia de Prompting é uma combinação de inteligência artificial, linguística e designde experiência do usuário. A elaboração de prompts eficazes para modelos de IA como o GPT da OpenAI pode otimizar a qualidade da saída gerada, especialmente em serviços de referência. Apesar dos desafios, incluindo vieses, preocupações éticas e a necessidade de acompanhar a rápida evolução dos recursos de IA, a área também apresenta oportunidades de crescimento. No contexto jurídico, a engenharia de prompting pode ser compreendida como uma forma de “curadoria semântica” da máquina, na qual o humano mantém o protagonismo da decisão, guiando o raciocínio artificial sem abdicar do juízo crítico. Trata-se de uma competência emergente que desloca o foco da inteligência para a interface, dando relevo ao papel do humano como designer cognitivo das interações com IA. Nesse sentido, a função do operador jurídico passa a incluir não apenas a interpretação da norma, mas também a calibragem do input comunicativo com a IA para produzir saídas compatíveis com os fins do Direito. (LO, 2023).
                                
   256   257   258   259   260   261   262   263   264   265   266