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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 259-303, jul./dez. 2024264impessoal e uniforme - a “justiça da repetição” - se apresenta como sedutora. Contudo, é preciso indagar: trata-se da repetição criadora de Deleuze ou de uma repetição mecânica, desprovida de abertura ao acontecimento?A crítica, aqui, é ontológica e epistemológica. A IA, ao priorizar o reconhecimento de padrões e a eficiência algorítmica, pode suprimir a diferença, achatando a singularidade do caso concreto sob o peso de uma padronização estatística. O risco é que a decisão judicial automatizada, ao buscar eliminar o erro e o viés, elimine também a potência do justo - justamente aquilo que escapa à generalização e exige uma interpretação transgressora. A diferença, nesse cenário, deixa de ser motor da justiça para ser tratada como anomalia ou ruído a ser corrigido.Assim, o desafio contemporâneo reside em pensar uma inteligência artificial judicial que não seja apenas uma máquina de repetir, mas que seja capaz de apreender a diferença - não como desvio, mas como evento fundador do justo. Tal projeto exige não apenas sofisticação técnica, mas sobretudo uma filosofia do direito que se recuse a abdicar da sua dimensão ético-política e criadora.Na era da vigilância pós-panóptica, é importante desenvolver operadores conceituais específicos para o Direito Processual, com a finalidade de prepará-lo contra o uso de uma jurimetria estratégica, calculista, que, por um lado, comoditiza o acesso aos direitos e, por outro, escalona a sua inefetividade, tarifando o descumprimento da lei, a fim de otimizar a esfera da ilicitude, da fraude, enfim, de ampliação, até o limite, do uso clandestino do processo judicial.Não obstante se tenha revelado o potencial de cristalizar preconceitos da inteligência artificial, que estavam embaciados nas bases de dados dos juízes humanos, agora começam a ser desvelados pontos positivos, em estudos alvissareiros que prometem reduzir seus vieses prejudiciais e priorizar a observância aos direitos fundamentais.A economia mundial ingressou na era da economia pós-material e orientada a dados. Estudo publicado em 2019 sobre o índice S&P500 indica que, em 2018, 84% dos maiores ativos das bolsas de valores de Nova York e Nasdaq já eram constituídos de bens intangíveis, constituídos sobretudo por softwares, algoritmos, dados, marcas e patentes2. Nesse contexto, a 2 2019 Intangible Assets Financial Statement Impact Comparison Report GLOBAL EDITION Sponsored by Aon Independently conducted by Ponemon Institute LLCPublication. Disponível em: https://www.aon.com/getmedia/60fbb49a-c7a5-4027-ba98-0553b29dc89f/Ponemon-Report-V24.aspx. Acesso em: 15 jun. 2025.

