Page 295 - Demo
P. 295
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 259-303, jul./dez. 2024295O processo eletrônico é muito mais um “rizoma”58 do que uma mera estrutura ou um sistema. Inter e extraoperabilidade são faces operacionais da plataforma processual. O processo virtual é um workflow rizomático que nos convida a pensar no fluxo incessante entre ato e potência de um processo pós-estruturalista, aberto e em contato (rectius: em “conexão”) com o ponto de vista externo do direito e do processo. É a possibilidade de conexão dos autos com o mundo, tanto com o mundo dos fatos, como dos direitos efetivos, possibilidade essa que, a seu turno, altera e afeta profundamente a racionalidade, as características e a principiologia da teoria geral do processo, como se pretende demonstrar no desenvolvimento desta obra.O processo eletrônico é multimídia - rectius: “unimídia multimodal” (Lèvy, 1999)59 - e pode ser muito diferente daquele em que predomina uma única linguagem (escrita) e uma única mídia (impressa no papel). O meio em que se desenvolve o processo não é neutro. Ele afeta e, muitas vezes, condiciona o conteúdo da mensagem. O meio não é um simples canal de comunicação, suas características afetam o conteúdo de maneira muito mais profunda do que supunha nossa racionalidade pré-McLuhan, o grande pensador da teoria da comunicação dos anos 60, que desvendou muitos mistérios da comunicação humana, ao considerar que os meios (de comunicação, de transporte etc.) são extensões do ser humano e, como tais, afetam nosso entendimento ou a nossa cognoscibilidade60.58 A ideia de “rizoma” foi pensada por Deleuze & Guattari como uma espécie de modelo das multiplicidades, por oposição ao modelo de árvore chomskyano (Deleuze & Guattari, 1995, p. 8). No pensamento deleuzeano, as multiplicidades - no plural - são a própria realidade (Ibid., p. 8). A filosofia seria, então, a teoria das multiplicidades (Deleuze, 1996, p. 49). A racionalidade pós-estructuralista não é linear, nem dicotômica, mas pivotante, como a estrutura do rizoma da botânica. Para os autores, a lógica binária e as relações biunívocas dominam a psicanálise, a lingüística, o estruturalismo e inclusive a informática, e isso é o que predomina no pensamento da árvore-raiz (Deleuze & Guattarri, 1995, p. 13). A figura do rizoma, tomada da botânica, foi utilizada para marcar uma diferença com a ideia de árvore-raiz: com uma base, um fundamento e uma estrutura linear de desenvolvimento. Estão contidos nessa estrutura princípio, meio e fim (Ibid. p. 33). Há aí também a ideia de dicotomia - árvore-raiz. Se tivesse sido escrito alguns anos depois, a ideia da rede mundial de computadores - a Internet - seria, sem dúvida, um exemplo de rizoma para Deleuze. É interessante observar que no último texto de Deleuze, o tema tratado são justamente as interações entre real e virtual (Deleuze, 1996, p. 49). 59 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução português Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 65. 60 “[...] é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e sensações humanas”. Cf. McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do ser humano (underestanding media). 20. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2011, p. 23.

