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                                    60Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 37-62, jul./dez. 2024convictos de que os seres humanos são bem capazes de levar vidas satisfatórias que não sejam definidas pelo trabalho, tal como hoje o conhecemos, vidas em que o lazer, o ócio, as artes ou o trabalho não remunerado substituam o emprego profissional que hoje estrutura a vida de boa parte da humanidade.17Vidas em que, como sonhava Oscar Wilde, seremos livres de passar o tempo num lazer culto, “fazendo coisas bonitas, ou lendo coisas bonitas, ou simplesmente contemplando o mundo com admiração e deleite.”184.3. Os problemas: político e jurídicoNo seu livro Robôs - A Ameaça de um Futuro sem Emprego, Martin Ford relata um delicioso e ilustrativo episódio sobre uma conversa entre Henry Ford e Walter Reuther, o dirigente do sindicato United Auto Workers, quando juntos visitavam uma fábrica de automóveis que recentemente havia sido automatizada. A dado passo, o presidente da Ford Motor Company terá interpelado Reuther, perguntando-lhe, provocatoriamente: “Walter, como vai conseguir que estes robôs paguem as quotas do sindicato?” Ao que Reuther respondeu, com esta incisiva pergunta para Eord: “Henry, como vai conseguir que eles lhe comprem os carros?”19Eis o ponto: os robôs não se cansam nem adoecem, não se aborrecem, não têm filhos, não entram em greve e não tiram férias… mas também não consomem. Os trabalhadores são consumidores e dependem dos seus salários para comprar os produtos e serviços produzidos pela economia. Ora, sem emprego, como é que as pessoas vão consumir e sobreviver? E como é que a economia vai funcionar e prosperar?Este é um problema político de grande magnitude, o da forma como a sociedade se vai organizar, num mundo sem emprego, num mundo pós-trabalho. Um problema que exigirá um Estado forte, esquemas de tributação repensados e orientados para captar os rendimentos lá onde eles se encontrem e esquemas de distribuição que permitam a todos levar uma 17 Acompanhamos, também neste ponto, Daniel Susskind: “O trabalho é hoje uma fonte de sentido para algumas pessoas, não porque seja especial, mas antes porque é nos empregos que passamos a maior parte das nossas vidas. E só conseguimos encontrar signifi cado naquilo que realmente fazemos - mas com liberdade para desfrutar das nossas vidas de maneira diferente, encontraremos sentido noutro lugar qualquer.” (Um Mundo sem Trabalho, cit., p. 243). 18 Apud James Suzman, Trabalho: Uma História de Como Utilizamos o Nosso Tempo, Edições Saída de Emergência, Desassossego, 2021, p. 310. 19 Bertrand Editora, Lisboa, 2016, p. 245, bem como pp. 248-251
                                
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