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                                    55Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 37-62, jul./dez. 2024Criar uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital.10Cremos que estes pontos devem ser registados, sublinhados e aplaudidos: criar uma presunção de laboralidade, adaptada às novas formas de prestar trabalho via apps; sublinhar que o facto de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios ou não estar sujeito a certos deveres inerentes à relação laboral tradicional não obsta, por si só, à existência de trabalho subordinado; e, last but not least, afirmar que poderá existir uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital - tudo isto nos parece corresponder a premissas muito acertadas e promissoras na abordagem destas questões.Quanto à presunção de laboralidade a criar, talvez a mesma se venha a traduzir numa espécie de réplica do art. 12.º do Código do Trabalho11, isto é, talvez se possa presumir a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de serviço e o operador de plataforma digital, se verifiquem algumas das seguintes características: i) o prestador não disponha, perante o cliente, de uma organização empresarial própria e 10 A consagração de uma presunção de laboralidade neste domínio foi também acolhida por uma recente lei espanhola, o Real Decreto-lei 9/2021, de 11 de maio, nos termos do qual, por aplicação do estabelecido no art. 8.1 do Estatuto de los Trabajadores, presumese incluída no âmbito desta lei a atividade das pessoas que prestem serviços retribuídos consistentes na entrega ou distribuição de qualquer produto de consumo ou mercadoria, por parte de empregadores que exerçam as faculdades empresariais de organização, direção e controlo de forma direta, indireta ou implícita, mediante a gestão algorítmica do serviço ou das condições de trabalho, através de uma plataforma digital. 11 Sobre a presunção constante do art. 12.º do Código do Trabalho, uma presunção muito útil, em geral, mas que se revela impotente perante as novas formas de prestar trabalho através de plataformas digitais, permitimo-nos remeter para João Leal Amado, Contratode Trabalho - Noções Básicas, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020 (reimp.), pp. 65-71.
                                
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