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57Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 37-62, jul./dez. 2024Consequências inevitáveis deste diagnóstico: desemprego tecnológico estrutural (e não apenas friccional)12 em massa a curto/ médio prazo, profunda desigualdade social e quebra na procura de bens e serviços, à medida em que os consumidores, privados de trabalho e de rendimento, forem perdendo o poder de compra necessário para alimentar o crescimento económico.Eis o teor de parte de um relatório entregue ao Presidente dos Estados Unidos da América, da autoria de um grupo de proeminentes académicos, jornalistas e tecnólogos, a chamada “Comissão Ad Hoc sobre a Tripla Revolução”. A pergunta a fazer é: a que presidente dos EUA foi este relatório entregue? A Donald Trump? A Barack Obama? A George Bush, pai ou filho? A Bill Clinton? Nada disso. O relatório foi apresentado ao Presidente Lyndon B. Johnson, em 22 de março de 1964, vale dizer, há mais de meio século!13Este simples episódio demonstra que as recorrentes e persistentes notícias sobre a morte iminente do trabalho humano foram muito exageradas. Chegados a 2022, em pleno séc. XXI, a centralidade do trabalho humano - e, dentro deste, do trabalho assalariado, prestado para outrem em condições de dependência económica e em regime de subordinação jurídica - permanece evidente e indiscutível.Pergunta-se: será diferente desta vez? Com a quarta revolução industrial, a indústria 4.0, a digitalização, a robótica, o algoritmo, a inteligência artificial… Vamos, agora sim, caminhar decisivamente para uma sociedade marcada pelo declínio do trabalho humano, pelo gradual 12 Fala-se em desemprego tecnológico “friccional” para aludir a situações em que o desemprego resulta, não de falta de trabalho para fazer, mas do facto de as pessoas não serem capazes de o fazer (desde logo, por falta de habilitações ou qualifi cações). Pelo contrário, no desemprego tecnológico “estrutural”, este resulta do facto de deixar de haver trabalho sufi ciente para todos os seres humanos. Para a distinção, Daniel Susskind, Um Mundo sem Trabalho - como responder ao avanço da tecnologia, Ideias de Ler, Porto, 2020, pp. 106-138. Do ponto de vista técnico-jurídico, dir-se-ia que o desemprego tecnológico friccional resultará, tipicamente, do mecanismo do despedimento por inadaptação, previsto e regulado nos arts. 373.º a 380.º do Código do Trabalho, ao passo que o desemprego tecnológico estrutural poderá resultar de outras modalidades extintivas do contrato de trabalho, em especial do despedimento coletivo e do despedimento por extinção do posto de trabalho, também previstos no mesmo Código, nos arts. 359.º a 372.º. 13 O texto integral deste relatório sobre a “tripla revolução” (cibernética, do armamento e dos direitos humanos) encontra-se disponível na internet, desde logo na wikipedia.

