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                                    52Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 37-62, jul./dez. 2024de grandes oportunidades, não cremos que tal terra deva ser uma terra sem lei, máxime sem lei laboral. Seria até uma traição à missão histórica do Direito do Trabalho que este construísse - ou que este deixasse que se construísse - um muro conceptual e mantivesse aqueles (motoristas, estafetas, etc.) lá fora, do outro lado do muro. Esta importantíssima decisão do Supremo Tribunal espanhol representa, cremos, um passo na direção certa, desconstruindo o muro que alguns querem que exista entre estes trabalhadores de novo tipo e o Direito do Trabalho.73.3. A Uber e o Supreme Court britânicoMais recentemente ainda, a 19 de fevereiro de 2021, o SupremeCourt do Reino Unido proferiu uma importante decisão, no processo UberBV and others (Appellants) v Aslam and others (Respondents), na qual, uma vez mais, os tribunais britânicos rejeitaram a tese de que os motoristas da Uber devam ser tidos como microempresários ou como self-employedindependent contractors, classificando-os, antes, como autênticos workersda Uber. Segundo o Supremo Tribunal, não é a Uber que trabalha para os seus motoristas, a inversa é que é verdadeira: a Uber é uma empresa que explora um serviço/negócio de transportes (a Uber não é uma mera technology company, não é uma mera plataforma digital que preste serviços de intermediação, antes está no mercado para fornecer serviços de transporte) e os motoristas disponibilizam a mão-de-obra especializada através da qual a empresa fornece os seus serviços ao público e aufere os seus lucros; o contrato central entre o motorista e a Uber consiste em aquele, mediante remuneração, se disponibilizar para transportar - e transportar efetivamente - os passageiros Uber para os seus destinos; o acordo entre as partes localiza-se no campo das relações de trabalho dependente, não sendo um contrato entre iguais celebrado por duas organizações empresariais independentes, sendo que os motoristas não contactam diretamente com o mercado, antes são recrutados pela Uber para trabalharem e nesta se integrarem como componentes da respetiva organização. Em suma, os motoristas desenvolvem a sua atividade para a marca Uber, vale dizer, eles não são trabalhadores por conta própria ou pequenos empresários que contactem com o mercado, que laborem para uma clientela indeterminada, pelo contrário, os seus clientes são pessoas7 Para desenvolvimentos a este respeito, João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira, “A Glovo, os riders/estafetas e o Supremo Tribunal de Espanha: another brick in the wall?”, Prontuário de Direito do Trabalho, 2020-II, pp. 121-151.
                                
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