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                                    59Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 37-62, jul./dez. 2024a produzir tudo aquilo de que o homem precisa para viver e para melhorar as suas condições de existência. O trabalho assalariado, fruto da 1.ª Revolução Industrial, assumiu-se, precisamente, como força propulsora e delimitadora do Direito do Trabalho, desde então até aos nossos dias.Ora, se o progresso científico e tecnológico conseguir substituir o trabalho humano por trabalho efetuado por robôs, isso pode constituir uma excelente notícia para a humanidade, um fenómeno libertador. Importa frisar: nós, pessoas, seres humanos, trabalhamos para viver, não vivemospara trabalhar!15 Neste sentido, toda a tecnologia libertadora do sacrifício do trabalho (sobretudo em atividades penosas, perigosas, rotineiras ou repetitivas) é, decerto, bem-vinda.Sim, o trabalho desempenha uma função estruturadora, confere sentido à vida de muitos de nós. O trabalho - escreve, com razão, Dominique Schnapper - “é a maneira de assegurar a vida material, de estruturar o tempo e o espaço, é o lugar da expressão da dignidade de si próprio e das permutas sociais. O tempo do trabalho profissional dá o seu sentido aos outros momentos da vida.”16 Isto hoje é, ainda é, assim; mas não tem de ser assim para todo o sempre. Tudo indica que caminhamos para uma sociedade em que o trabalho humano perderá a sua atual centralidade: no futuro haverá, provavelmente, muito menos pessoas a trabalhar e, mesmo essas, dedicarão uma parte menor da sua vida, do seu tempo, ao trabalho. E esta será, decerto, uma transição complexa e recheada de dificuldades. Mas vamos combatê-la, destruindo os robôs ou desinvestindo neles (ao jeito de um qualquer “neoludismo”)? Não!O Estado-legislador não poderá deixar de assumir aqui um papel ativo e deve procurar regular essa transição, apoiando os trabalhadores e assegurando que a viagem seja o mais suave possível (reservando certas atividades a seres humanos, fixando “quotas humanas”, certificando os produtos “made by humans”, tributando a robotização, etc.). Mas estamos 15 É certo que, como há muito HANNAH ARENDT observou, o discurso sobre o trabalho abunda em idealizações do mesmo (o trabalho é um meio de atingir um fi m superior, o trabalho é um ato de moldar dada substância, transformando-a em algo qualitativamente melhor, o trabalho é um meio de realização pessoal, proporcionando satisfação a quem o presta, o trabalho é o meio de o homem se impor à natureza, dominando-a...), mas, a esse propósito, HANNAH ARENDT não deixava de concluir: “Depois de todas estas teorias e discussões académicas, é reconfortante saber que a grande maioria dos trabalhadores, quando se lhe pergunta ‘por que é que o homem trabalha?’, responde simplesmente: ‘para poder viver’ ou ‘para ganhar dinheiro’.” (A Condição Humana, Relógio D’Água, Antropos, Lisboa, 2001, pp. 171-172, n. 75). 16 Contra o Fim do Trabalho, Terramar, Lisboa, 1998, pp. 18-19.
                                
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