Page 175 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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de vítimas que passaram por situações de violência diferentes daquela
determinada na decisão.
Ao considerar que a ausência de indicadores sobre a “[...] maneira
de trajar da autora; seu comportamento usual; seu relacionamento com
os demais colegas” dificulta a análise, indica que, à moda dos famosos
julgamentos criminais envolvendo violência sexual ou crimes contra a
honra, as atitudes, a compostura e até mesmo a roupa da vítima podem
ser consideradas um convite ao assédio e, portanto, serem motivo de
sua culpabilização pela violência sofrida. Por fim, ao afirmar que as
pessoas não são “anjos assexuados”, naturalizando atitudes impróprias
que notoriamente atingem muito mais as mulheres e revelam
comportamentos machistas e violência de gênero, deixa de diferenciar
a esfera humana de vivência sexual da esfera da violência e agressão, na
qual se insere o assédio sexual.
Podemos extrair de publicação no site “Conjur” outro caso
semelhante, de utilização em decisão judicial de estereótipos sobre
o papel do homem e da mulher. Embora a matéria tenha como
foco a decisão do TST na qual esse tribunal reconheceu a validade
probatória de e-mails institucionais e gravações (o que se afigura
muito importante para a hipótese do assédio, haja vista a já explicitada
dificuldade probatória), é preciso destacar que no processo em
questão a sentença de origem entendeu que todas as investidas de
um gerente de manutenção de um hotel sobre uma funcionária eram
meras “cantadas indiretas” dirigidas a uma bela mulher, sem ofensas,
constrangimentos ou ameaças. Diz a notícia, sobre a decisão de
primeiro grau: “Acrescentou que a funcionária instigava o engenheiro
que, “como bom latino, de sangue ‘caliente’, haveria de interpretar suas
frases como uma abertura para cantadas.” (CONJUR, 2008). Ressalte-se
que as supostas “cantadas” incluíam afirmar ter vontade de “apertar”
a funcionária, fazer menção a fantasias sexuais, além de sugestão de
pagamento de mesada para as empregadas que se submetessem a ser
amantes dele, permanecendo em silêncio. A decisão foi sabiamente
modificada pelo TRT, que considerou ilícita a conduta do gerente.
A análise dos julgados revela que, por um lado, houve avanços
significativos na apreciação do tema, mostrando que alguns julgadores
possuem efetiva preocupação com nuances e detalhes dos casos e uma
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 151-182, jan./jun. 2020