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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024111supervisão de magistrados e servidores. Trata-se, portanto, de uma colaboração possível entre a inteligência computacional e a sensibilidade jurídica, que libera tempo e recursos para a análise mais atenta de litígios complexos, que envolvem desigualdades estruturais ou demandas de maior densidade fática e jurídica.A inteligência artificial, nesse contexto, pode sim funcionar como uma espécie de assistente virtual da magistratura, à semelhança da dinâmica já consolidada com os assistentes humanos. Assim como ocorre hoje, em que o juiz orienta seu assistente na elaboração de minutas, revisa, ajusta e decide conforme seu convencimento, a IA pode auxiliar na produção de um primeiro rascunho, indicando padrões, precedentes, ou estrutura argumentativa. Trata-se de um apoio inicial, e não de um substituto do ato decisório. Essa configuração mantém o protagonismo humano na construção da decisão judicial e assegura que o juízo de valor, essencial no campo do Direito, permaneça nas mãos do julgador, sensível às especificidades do caso concreto.O que não se pode fazer é transferir à IA a expectativa de resolução autônoma de litígios, como se ela fosse capaz de decidir sozinha, com neutralidade ou perfeição. Justamente aí reside o grande risco: o da acomodação institucional, da desumanização da jurisdição e, sobretudo, da prestação de um serviço medíocre ao jurisdicionado. A Justiça do Trabalho foi criada para atender o trabalhador; é justiça especializada nos conflitos entre capital e trabalho, e esse trabalhador, com sua história, sua vulnerabilidade e seus direitos, deve permanecer no centro da atuação judicial. A tecnologia pode ser um valioso instrumento, mas ainda estamos longe de poder confiar a ela critério decisório. Inclusive, talvez esse dia não chegue nunca, pois a confiança da sociedade na função judicante se ancora na escuta, na ponderação e na motivação pública das decisões, elementos que nenhuma máquina pode passar a ter.É necessário abandonar uma visão maniqueísta que opõe tecnologia e humanidade, e adotar uma postura crítica e comprometida com a governança ética da inovação no Judiciário. A incorporação de instrumentos de apoio baseados em IA deve observar princípios constitucionais como a legalidade, a publicidade, a motivação das decisões e, sobretudo, o contraditório substancial. É preciso garantir transparência nos critérios de funcionamento dos sistemas utilizados, assegurar que esses sistemas respeitem os parâmetros da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e submeter sua adoção a instâncias de controle público e institucional, incluindo conselhos, corregedorias e instâncias técnicas de auditoria. Além

