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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024106externos, muitas vezes desenvolvidos por empresas privadas, corre-se o risco de reduzir a magistratura a uma função operacional, tornando o juiz um mero operador de máquina, em vez de garantidor dos direitos fundamentais em disputa.Há que se questionar até que ponto os argumentos das partes terão relevância nos julgados automatizados, e de que forma poderão, de fato, influenciar a decisão final. Fica ameaçado o contraditório real, efetivo, e o livre convencimento do julgador.Nesse ponto, é preciso romper com o mito da imparcialidade como sinônimo de neutralidade absoluta. Como bem ensina Lenio Streck (2013), não há julgamento verdadeiramente neutro: há, sim, a imparcialidade como compromisso ético com a escuta das partes, com o contraditório efetivo e com a fundamentação racional da decisão. O que se deve resguardar é o direito da parte de influenciar, por meio de sua argumentação, o resultado do processo. E essa possibilidade desaparece quando decisões são tomadas por padrões pré-treinados, sem margem para a consideração das particularidades do caso.Ressalvam Nancy Andrighi e José Bianchi (2021), nesse sentido, que os juízes também recebem influência externa ao Direito de matriz social, econômica, ética e estética, que escapam, em primeiro momento, aos algoritmos. Essa influência, que rompe com a ideia estanque de neutralidade, não nos parece indesejada ou negativa: é apenas uma consequência das peculiaridades do humano. Afinal, a decisão judicial é uma das formas de representação do pensamento humano, que contribui para a formação da sociedade.Como exemplo, no julgamento de um pedido de indenização por danos morais, ou mesmo em apreciação de acusação de assédio moral ou sexual, o deferimento ou indeferimento, e especialmente a quantificação, perpassam pelo sentido humano do julgador no entendimento daquele outro como seu igual; outro ser humano. A empatia, e o se colocar no lugar do outro, são sentimentos que escapam aos algoritmos; ao menos por ora.E, aqui, há que se fazer a ressalva, se escreve com foco em demandas trabalhistas, com todas as suas peculiaridades e complexidades. Há que se fazer reflexão de outro tom quando se tratar de aplicação de mecanismos padronizados, por exemplo, em casos criminais ou de Direito de Família, áreas que exigem sensibilidade talvez ainda maior.Obviamente, não se deve confundir o princípio do livre convencimento motivado, que confere ao juiz a responsabilidade de formar sua convicção com base nas provas dos autos e na fundamentação 
                                
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