Page 105 - Demo
P. 105


                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024105não se situa exclusivamente na seara objetiva de símbolos datificáveis, mas notadamente na consciência daqueles que, por meio desses símbolos (Constituição, leis, processo judicial etc.), se reconhecem e reafirmam, comunitariamente, o sentido da existência, na efetividade do valor liberdade, sendo esse o limite óbvio de atuação da IA, pois, apesar dessa deter inteligência (artificial), não conta com consciência ou com singularidade real própria ao ser livre. (Rodrigues, 2021, p. 250).Embora a inteligência artificial possa representar um avanço em termos de celeridade e padronização, sua aplicação no âmbito da Justiça do Trabalho exige atenção redobrada. A automatização de decisões não pode suprimir a escuta sensível, o olhar humanizado e o compromisso com a justiça social que constituem a essência da jurisdição trabalhista. É necessário que a técnica sirva à justiça, e não o contrário.III O PAPEL DO JUIZ E OS LIMITES DA SUBSTITUIÇÃO POR IAA função jurisdicional, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho, não se limita à simples aplicação mecânica de normas jurídicas. Julgar é, antes de tudo, um exercício de mediação humana e crítica, que envolve interpretar a norma à luz dos fatos, dos princípios constitucionais e da realidade social.Trata-se de uma atividade essencialmente dialógica, que pressupõe escuta, sensibilidade e argumentação, atributos que dificilmente serão reproduzidos por sistemas automatizados. Há que se relembrar que a própria palavra “sentença” deriva do latim sentire (Braga Jr., 2009), e pressupõe assim o sentimento humano que perpassa a análise probatória e as conclusões dali geradas.A introdução de tecnologias baseadas em inteligência artificial, especialmente aquelas que operam com predição de decisões a partir de bases de dados anteriores, levanta sérios dilemas éticos. Um dos principais riscos é o esvaziamento da figura do juiz como intérprete, diante de uma possível substituição de seu raciocínio jurídico por sugestões automatizadas. A atuação judicial deixaria de ser um espaço de construção argumentativa, passando a se basear em padrões estatísticos que, ainda que eficientes sob o ponto de vista quantitativo, não contemplam a complexidade das disputas humanas.Esse processo de automação também desafia a autonomia judicial e compromete o princípio do livre convencimento motivado. Se as decisões passam a ser fortemente influenciadas por modelos preditivos ou sistemas 
                                
   99   100   101   102   103   104   105   106   107   108   109