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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024103várias possibilidades de efetivação: um quadro, dentro do qual a decisão configuraria a criação do direito. Assim, tudo que se encontrasse dentro desse quadro pré-determinado, todas as possibilidades, seriam conforme o Direito, e igualmente justas. Ainda, conforme Kelsen (1963), na medida em que se reconhece que há diversos ideais de justiça diferentes e até mesmo contraditórios entre si, os valores seriam, na verdade, relativos.A computadorização das decisões com base em padrões estatísticos e pré-definidos, nesse sentido, reduziria o risco de que esse enquadramento do direito ao caso concreto pudesse se realizar fora da moldura do Direito, ou mesmo, arbitrariamente, seguindo critérios diferentes para casos iguais. Além disso, todas as decisões proferidas pela IA, desde que dentro da moldura préestabelecida, seriam conforme o Direito, e igualmente adequadas. Todavia, a informatização aumenta o risco de que, nesse processo, se sacrifique a necessária sensibilidade social e a função crítica do julgador.Um exemplo paradigmático desse risco é o julgamento de ações envolvendo trabalhadores informais ou plataformas digitais. Sistemas treinados com base em decisões passadas, em que o reconhecimento de vínculo foi negado com frequência, podem tender a replicar tais padrões, ignorando a evolução social, a mudança de paradigmas jurídicos ou a necessidade de reinterpretação protetiva. É o resultado da dinâmica baseada em estatística, ou seja, no que já foi decidido.Por óbvio, essa possibilidade de mera repetição impensada de padrões já existe, na medida em que o aplicador do Direito pode utilizar modelos e autotextos já redigidos para casos similares, sem o efetivo mergulho nas especificidades do caso concreto. Todavia, a velocidade e a automatização da IA potencializam essa vulnerabilidade, porque a sua versão generativa traz a possibilidade de que uma decisão seja totalmente elaborada sem qualquer intervenção humana.Nesse cenário, é importante refletir sobre a possibilidade de que a IA, ao ser apresentada como símbolo de modernidade e objetividade, contribua para obscurecer processos decisórios que, na verdade, reproduzem desigualdades estruturais e negam a efetividade dos direitos sociais. Trata-se de um risco real de substituição do concreto vivido pelo “concreto artificializado”, expressão que remete à falsa neutralidade que pode ser atribuída a decisões automatizadas desprovidas de sensibilidade social e engajamento com a justiça material (Souto Maior, 2024).A excessiva confiança na análise preditiva pode implicar distanciamento dos princípios estruturantes do Direito do Trabalho, como a proteção ao trabalhador, a primazia da realidade sobre a forma e a 
                                
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