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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024107racional, com uma defesa do solipsismo judicial, em que a decisão seria fruto exclusivo da vontade ou da subjetividade do julgador. O sentenciar como apenas sentire, ou seja, como resultado de uma percepção pessoal isolada, não encontra respaldo no modelo constitucional de processo.Custodio Miranda (2001) observa que o Direito e o próprio Judiciário atravessam uma crise estrutural. No caso da Justiça do Trabalho, essa crise decorre, em grande parte, da concentração de riqueza nas mãos de poucos detentores do capital, realidade que persiste mesmo após séculos de lutas marcadas por “sangue, suor e lágrimas”. Quanto à crise do Judiciário como instituição, aponta não apenas falhas administrativas, mas também a recorrência de decisões lentas, mal redigidas e pouco fundamentadas. Aduz que o juiz não deve se limitar à aplicação mecânica da lei, subsunção do fato à hipótese legal. Deve, de outro modo, realizar o Direito, ou seja, ser ator de processo criativo, corrigindo distorções, e assim operando, além da lógica racional, também uma lógica emocional.O livre convencimento não é arbítrio, tampouco licença para julgar conforme impressões individuais, desvinculadas dos elementos do processo e da ordem jurídica. Trata-se, ao contrário, de um exercício argumentativo rigoroso, ancorado no contraditório, na coerência com o ordenamento jurídico e na fundamentação pública da decisão. A decisão judicial deve ser o produto de um percurso racional e comunicável, em que o juiz não apenas diz o Direito, como boca da lei, mas demonstra como chegou a tal conclusão, respeitando o direito das partes de influenciarem o resultado por meio da construção dialógica do processo.Há que se relembrar, ainda, o princípio do juiz natural, agora com mais um sentido, no que tange ao direito de ser julgado por um ser humano. Não se pode esquecer que, apesar de possível sugestão de minuta realizada por inteligência artificial generativa, quem julga, e assume a responsabilidade pela decisão proferida, é o juiz humano. Assim, ainda que com a assistência de máquinas na elaboração de petições, pareceres, e sentenças, o ser humano continua sendo o foco e o destinatário da atividade jurisdicional.As implicações institucionais dessa tendência não podem ser ignoradas. O protagonismo da magistratura trabalhista, historicamente vinculado à proteção dos hipossuficientes e à construção de soluções atentas às desigualdades sociais, corre o risco de ser enfraquecido. Ao se adotar sistemas externos, muitas vezes opacos e desenvolvidos por agentes de fora do próprio Judiciário, transfere-se o centro de decisão para lógicas técnicas, mercadológicas ou gerenciais, alheias à função constitucional da jurisdição.
                                
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