Page 109 - Demo
P. 109
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024109reproduzem padrões decisórios, mas também moldam subjetividades jurídicas, reduzindo a atuação judicial a uma função de validação automática da resposta “tecnicamente mais provável”. Ocorre, assim, uma reconfiguração silenciosa do papel do juiz, esvaziando sua responsabilidade interpretativa e seu compromisso com a escuta ativa e com a realização do justo no caso concreto.O avanço da inteligência artificial nos processos de decisão jurídica deve ser analisado à luz das transformações mais amplas promovidas pelo que José Eduardo Chaves Júnior (2020) cita como economia orientada a dados. Nesse novo modelo, observa-se a ascensão de uma lógica de controle digital, em que a gestão do trabalho (e, por extensão, das decisões) passa a ser mediada por algoritmos e mecanismos de rastreamento contínuo. Essa mudança exige, segundo o autor, uma atualização doutrinária profunda, especialmente no Direito do Trabalho, cujas bases históricas foram construídas sobre relações interpessoais, normas formais e mediação institucional. A ética da inteligência artificial, nesse contexto, não pode se limitar a parâmetros técnicos de funcionamento, mas deve considerar criticamente os impactos dessa nova forma de regulação sobre a autonomia humana, a subjetividade dos julgadores e o papel da Justiça do Trabalho na proteção contra formas invisíveis de dominação e desigualdade.Luís Roberto Barroso e Patrícia Mello (2024) destacam, sobre o tema, que “[...] diante das possibilidades aparentemente infinitas da tecnologia, só existe uma carta de navegação segura: os valores que desde muito longe devem pautar o avanço civilizatório e a evolução da condição humana na Terra”.Entre esses valores, os autores elencam o bem, a justiça real e a solidariedade. A inteligência artificial pode contribuir para um mundo mais justo e eficiente, mas também tem o potencial de acentuar desigualdades, comprometer liberdades ou, em cenários extremos, conduzir à destruição de princípios fundamentais da vida em sociedade. Sua utilização, portanto, deve ser guiada por fundamentos éticos claros e comprometidos com a dignidade humana.Em meio a esse cenário, impõe-se uma reflexão de fundo: que tipo de julgador se deseja formar para o futuro? Um operador de sistemas, que valida automaticamente as “decisões sugeridas” por modelos algorítmicos? Ou um magistrado comprometido com a CR/1988, com os direitos fundamentais e com a justiça social, capaz de resistir à padronização automática, impensada, e de resgatar a centralidade do humano na função jurisdicional?

