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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024102primeira idade da razão” (p. 37). Refletindo sobre a transposição do ethospara o mundo humano dos costumes, Lima Vaz aduz que seria:[...] fruto de uma intuição profunda sobre a natureza e sobre as condições do nosso agir (práxis), ao qual ficam confiadas a edificação e preservação de nossa verdadeira residência no mundo como seres inteligentes e livres: a morada do ethos cuja destruição significaria o fim de todo sentido para a vida propriamente humana. (1999, p. 13).Lima Vaz continua afirmando que a Ética se origina do saber ético, que seria um saber “[...] antes vivido do que pensado nas inúmeras vissicitudes da vida humana, decantado no correr dos séculos pela longa experiência dos homens. É esse saber que a Ética se propõe pensar” (1999, p. 57). Os conceitos e paradigmas que a embasam derivam, portanto, do saber da humanidade ao longo dos séculos: “[...] a humanidade não pode recomeçar cada manhã sua história, nem refazer continuamente seus critérios do Bem e do Mal”.Esses elementos fornecem subsídios para uma análise crítica das implicações éticas envolvidas na delegação de decisões judiciais a sistemas automatizados. Nesse contexto, para Salgado, como ressaltado por Bruno Alves Rodrigues (2021), a possibilidade de o sistema automatizado decidir melhor que o ser humano é real, se a escolha da decisão representasse apenas um “mero juízo de arbítrio”, uma opção entre muitas possíveis. Dessa forma, reduzir-se-ia o papel do juízo a apenas selecionar uma dentre alternativas igualmente legítimas.Em outra visão, Eduardo Augusto Salomão Cambi e Maria Eduarda Toledo Pennacchi Tibiriçá Amaral (2023) sustentam que os sistemas de inteligência artificial não demonstram, até o momento, capacidade de corrigir os vieses cognitivos e os estereótipos presentes nos dados ou nos próprios programadores. Pelo contrário, alertam que algoritmos treinados sobre bases enviesadas podem reforçar desigualdades estruturais e padrões discriminatórios, amplificando injustiças sociais preexistentes.Nesse ponto, é possível o paralelo com a teoria da moldura do direito, de Hans Kelsen (1976), na forma como citada por Rodrigues (2021), em que a decisão seria a efetiva criação do direito, pois, antes da decisão, na visão do filósofo, não haveria sequer vigência da norma. O juiz, nesse sentido, ao aplicar a norma, o faria dentro de uma moldura com 
                                
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