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                                    Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 97-116, jul./dez. 2024101examinar cuidadosamente o Direito discutido, percorrendo pacientemente toda a matéria trazida aos autos, para, a partir desse exame minucioso, construir uma solução que torne real o valor verdadeiramente prático do Direito: a efetivação da justiça no caso concreto. Trata-se, portanto, de um processo reflexivo e humanizado, que ultrapassa a simples eficiência técnica e se orienta pela busca do justo, elemento essencial da função jurisdicional.A aplicação indiscriminada de soluções automatizadas em demandas trabalhistas merece crítica cautelosa - tanto em sua forma já consolidada, quando em soluções de inteligência artificial. Os conflitos trabalhistas não são meramente aritméticos; ao contrário, envolvem múltiplos elementos contextuais que extrapolam a subsunção simples de fatos à norma, motivo pelo qual o questionamento do presente artigo é ainda mais relevante. Histórias de vida marcadas por desigualdades raciais, de gênero e econômicas, a informalidade nas relações de trabalho, e as diversas formas de precarização laboral não podem ser adequadamente capturadas por sistemas algorítmicos treinados em padrões estatísticos.Do ponto de vista ético, o risco é claro: ao tratar o trabalhador como mero dado ou padrão estatístico, esvazia-se a dimensão humana do litígio, reduzindo-o a uma abstração numérica. A consequência é a perda da centralidade da pessoa humana no processo judicial, exatamente o oposto do que se espera de uma jurisdição vocacionada para a promoção da justiça social.A ideia de ser humano não se reduz a uma descrição biológica, mas compreende um sujeito dotado de dignidade, consciência, historicidade e vulnerabilidade. No plano jurídico, a noção de humanidade está intrinsecamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Já no plano ético, o ser humano é reconhecido como agente moral, capaz de deliberar, sofrer e reivindicar justiça.É nesse horizonte que a ética adquire papel central na análise do uso de tecnologias, tornando-se recurso crítico para questionar não apenas o que a IA pode fazer, mas o que ela deve fazer, e com quais limites. Exige, portanto, responsabilidade, transparência e compromisso com os valores que estruturam a convivência democrática. No caso da Justiça do Trabalho, a ética está diretamente relacionada à preservação da função garantista da jurisdição e ao reconhecimento do jurisdicionado como sujeito de direitos, e não como mero número em uma estatística.Lima Vaz (1999) afirma que “[...] a Ética tem por objeto o ethos, que se apresenta como fenômeno histórico-cultural dotado de evidência imediata e impondo-se à experiência do indivíduo tão logo este alcance a 
                                
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