Page 155 - Demo
P. 155
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 151-170, jul./dez. 2024155FUNDAMENTAÇÃOViés anti-automação e o Poder Judiciário: da máquina de escrever à inteligência artificialHistoricamente, profissionais do Direito mostraram-se refratários à introdução de novas tecnologias no processo judicial. Um exemplo emblemático foi a transição da escrita manual para a máquina de escrever nas redações de sentenças e outros atos processuais.Consta o registro histórico de que “[...] em 1929, a Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença judicial porque não tinha sido escrita pelo juiz de próprio punho” (Coelho, 2007), sendo então constatada a necessidade de ajustes legais para promover a validade jurídica de documentos datilografados.Nesse sentido, o Código de Processo Penal de 1941, por exemplo, trouxe a previsão expressa em seu art. 388 que “[...] a sentença poderá ser datilografada e, neste caso, o juiz a rubricará em todas as folhas”, sob pena de nulidade (Brasil, 1941).Essa disposição revela a cautela inicial com a adoção de novas ferramentas: embora permitida para agilizar a prestação jurisdicional, a sentença datilografada demandava providências para garantir sua autenticidade.Embora tal discussão soe como algo trivial para o leitor do século XXI, é importante ressaltar que entre a decisão da corte mineira e o advento da norma prevista no Código Penal se passaram quase doze anos.Isso demonstra que o processo histórico-dialético da tensão entre tecnologia e Direito culmina em uma síntese envolvendo a incorporação dos avanços tecnológicos juntamente com instrumentos normativos e hermenêuticos que garantem a segurança jurídica e resguardo de direitos fundamentais. Contudo, esse processo não é imediato e sem atritos.Situação semelhante de tensão ocorreu com o advento e popularização do uso dos computadores pessoais e editores de texto, como narra Fábio Ulhoa Coelho:No fim da década de 1980, várias sentenças foram anuladas porque os juízes haviam usado o microcomputador. Os tribunais receavam que o novo equipamento, na medida em que permitia a reprodução de sentenças “em série”, pudesse prejudicar a devida atenção do magistrado para as particularidades de cada caso (Coelho, 2007).

