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322Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024invisibilizada no debate jurídico, mas essencial para a consolidação de uma cultura democrática e igualitária no ambiente produtivo.Ao estabelecer certos direitos, a lei não apenas protege o trabalhador de pressões assimétricas - ela comunica, publicamente, que há limites éticos para a negociação econômica, que nem tudo pode ser objeto de transação, e que o trabalho não pode ser tratado como simples mercadoria. A norma estatal, nesse sentido, não é apenas um instrumento técnico de regulação: é também um vetor de afirmação de valores. Ela contribui para a formação de uma mentalidade coletiva que reconhece o trabalho como fundamento da ordem social (CF, art. 1º, IV) e orienta a atuação dos próprios sindicatos, empresas, magistrados e legisladores.A existência de um arcabouço legal que expressa padrões mínimos de civilidade trabalhista cumpre a função de refrear práticas regressivas, legitimar resistências e dar densidade cultural ao projeto constitucional de valorização do trabalho.Em suma, a função pedagógica e cultural das normas estatais não se mede apenas pela sua aplicabilidade direta, mas pelo papel que desempenham na formação de expectativas sociais e na construção de uma ética pública do trabalho. Ao fazer isso, a lei contribui para um ambiente em que a negociação coletiva não é apenas possível, mas desejável - porque se realiza em um campo previamente demarcado por valores compartilhados.5 CONCLUSÃO: POR UM EQUILÍBRIO NORMATIVO CRIATIVO E SUSTENTÁVELA análise desenvolvida ao longo desta pesquisa demonstra que a contraposição entre normas estatais e normas negociadas constitui um falso antagonismo. O discurso que proclama a prevalência do negociado sobre o legislado não resiste à análise histórica, nem à leitura sistemática do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de um slogan muito repetido, mas juridicamente pobre - incapaz de refletir a complexidade normativa que caracteriza o Direito do Trabalho em uma democracia constitucional.As normas estatais não são obstáculos à autonomia coletiva, mas pilares de civilização jurídica: conferem densidade, estabilidade e coerência ao sistema. Garantem um patamar mínimo de proteção abaixo do qual não é legítimo transigir, sobretudo em um cenário marcado por desigualdades estruturais e por assimetrias econômicas e organizativas. São elas que asseguram previsibilidade, continuidade e igualdade de base - elementos sem os quais a negociação coletiva se fragilizaria, podendo converter-se,

