Page 319 - Demo
P. 319
319Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024Portanto, a norma estatal exerce, aqui, um papel de contenção estrutural, impedindo que a flexibilidade negocial comprometa os fundamentos ético-jurídicos das relações de trabalho. Não se trata de oposição entre fontes, mas de complementaridade funcional: ao garantir um patamar civilizatório mínimo, o legislado protege os próprios contornos legítimos da negociação, assegurando que ela ocorra com liberdade, mas dentro dos limites da justiça social. A função de proteção ao núcleo indisponível é, assim, a espinha dorsal sobre a qual se erguem as demais dimensões da arquitetura normativa do trabalho.b) Constituição de um ecossistema normativo equilibradoA segunda função das normas estatais é a de organizar e estabilizar o campo normativo no qual a negociação coletiva se realiza. O direito legislado não apenas protege um núcleo essencial de garantias indisponíveis, como também estabelece as balizas estruturais que permitem a atuação legítima dos sindicatos e a produção normativa autônoma. Em outras palavras, a lei não é apenas o limite da negociação: ela é o seu solo fértil, o ambiente institucional que torna possível a criação de soluções negociadas.A existência de um ecossistema normativo equilibrado pressupõe que o sistema defina, de maneira clara, quais direitos são absolutamente indisponíveis, quais podem ser objeto de transação relativa e quais podem ser livremente negociados. Essa distinção, ainda que não seja perene, é indispensável para evitar tanto a rigidez excessiva quanto a permissividade normativa. É a partir desse “mapa normativo” que os atores sociais conseguem identificar o alcance e os limites de sua autonomia negocial, conferindo previsibilidade ao processo e reduzindo o risco de invalidações posteriores por controle judicial.Além disso, a norma estatal também desenha o contorno institucional em que se dá o exercício da negociação. Não há, portanto, um vácuo normativo: há um campo regulado, no qual a autonomia coletiva se exerce em diálogo com preceitos legais. Essa função equilibradora adquire especial relevância em contextos de fragilidade sindical, nos quais a ausência de uma base normativa pré-existente poderia converter a negociação em instrumento de renúncia, e não de conquista.A legislação, assim, cria um ambiente de estabilidade normativa que favorece tanto a proteção quanto a inovação. Sem esse ambiente previamente estruturado, a negociação coletiva se tornaria volátil, desigual e, em muitos casos, disfuncional.

