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323Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024paradoxalmente, em instrumento de precarização.Por sua vez, as normas coletivas não são instrumentos de erosão da legalidade, mas mecanismos sofisticados de adaptação normativa, verdadeiros torquímetros jurídicos capazes de ajustar o sistema legal às peculiaridades de cada setor, às exigências do tempo e às particularidades regionais e culturais de uma sociedade plural como a brasileira. São instâncias de inteligência social, nas quais os sujeitos coletivos formulam soluções contextualizadas, testam inovações, antecipam tendências e, não raro, inauguram direitos que posteriormente serão acolhidos pela legislação estatal.Essa relação não é de hierarquia nem de preponderância, mas de complementaridade dinâmica. O legislado assegura os fundamentos; o negociado realiza os ajustes finos. O primeiro consolida conquistas e estrutura o sistema; o segundo promove avanços e permite a pluralidade. Essa interação é o que torna o Direito do Trabalho simultaneamente estável e evolutivo, protetivo e adaptável, universal e situado.Nesse contexto, a leitura teleológica do Tema 1046 do Supremo Tribunal Federal deve afastar interpretações reducionistas que insinuam uma autorização geral à flexibilização. A tese reafirma a validade da negociação coletiva, mas dentro dos marcos de um Estado que protege e desenvolve os direitos fundamentais.A efetividade dos direitos sociais exige uma leitura dialética: é da tensão produtiva entre as diversas fontes normativas - autônomas coletivas e heterônomas estatais - que emergem as melhores soluções para os desafios contemporâneos do mundo do trabalho.O futuro do Direito do Trabalho no Brasil não está na superação de uma fonte normativa por outra, mas na construção de um modelo normativo equilibrado, dialógico e criativo, no qual o legislado e o negociado atuem como forças complementares e mutuamente legitimadoras. Em lugar de formulações retóricas sedutoras, é preciso consolidar uma cultura jurídica comprometida com a democracia substancial, com a justiça social e com a valorização do trabalho como fundamento da ordem constitucional.A consolidação dessa complementaridade não é apenas desejável: é indispensável para preservar os alicerces do Direito do Trabalho, cujo edifício normativo, para manter-se de pé diante das pressões econômicas e das transformações sociais, precisa da solidez do concreto que sustenta - representado pelas normas estatais -, mas também da maleabilidade do aço que se adapta sem romper - simbolizada pelas normas autônomas. É dessa combinação simbólica que nasce a arquitetura normativa capaz de resistir ao tempo e se adaptar ao futuro.

