Page 317 - Demo
P. 317


                                    317Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024precarização ou mero ajuste setorial, mas instância originária e estruturante do próprio Direito do Trabalho.Superar a ideia de um legislado autossuficiente e compreender sua dependência histórica das práticas autônomas é passo indispensável para reequilibrar a narrativa jurídica e reafirmar a interdependência virtuosa entre as fontes normativas. O direito autônomo, ao invés de ameaçar o direito estatal, prepara-lhe o terreno, fornece-lhe conteúdo e confere-lhe legitimidade social.Resta claro, portanto, que as normas coletivas desempenham papel fundamental na gênese, adaptação e expansão dos direitos trabalhistas no Brasil. Ilustramos, por meio de exemplos, como o direito negociado tem sido fonte criativa de soluções normativas, muitas vezes antecipando-se à legislação e moldando o próprio conteúdo do legislado.No entanto, reconhecer esse protagonismo histórico e social das normas autônomas não implica desvalorizar o papel estrutural do direito estatal. Ao contrário: é justamente a partir da consolidação de um marco normativo geral, estabelecido pela lei, que se torna possível preservar conquistas, assegurar igualdade e conferir legitimidade ao processo negocial.Essa complementariedade entre fontes normativas encontra fundamento na concepção pluralista de Georges Gurvitch, para quem o direito não se reduz à forma estatal nem à extra-estatal, mas deriva da própria vida coletiva e nela encontra sua legitimidade, com a função de integrar objetivamente a comunidade, sem redução a formas exclusivas18.Reconhecido isso, a seguir serão analisadas as cinco funções centrais das normas estatais nas relações de trabalho - funções que não se contrapõem ao negociado, mas que o sustentam, equilibram e, em muitos casos, o tornam viável.4 AS CINCO FUNÇÕES DAS NORMAS HETERÔNOMAS ESTATAISCompreendido o papel histórico e estruturante da negociação coletiva, cumpre agora resgatar a importância das normas estatais, cuja missão é igualmente imprescindível para a proteção dos direitos fundamentais sociais. Longe de se limitarem a fixar barreiras à atuação dos entes sindicais, as normas estatais cumprem um conjunto articulado de finalidades institucionais que sustentam a própria lógica do sistema.18 GURVITCH, Georges. L’expérience juridique et la philosophie pluraliste du droit. Paris: A. Pedone, 1935, p. 127.
                                
   311   312   313   314   315   316   317   318   319   320   321