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312Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024mas inseparáveis, fundem autonomia privada e interesse público, contratualidade e normatividade. É justamente essa condição híbrida que lhes confere potência criadora e densidade jurídica.Por operarem com maior liberdade criativa do que as normas estatais, as convenções e os acordos coletivos podem responder de forma mais efetiva às peculiaridades de cada categoria profissional em determinado momento histórico. Esse potencial criativo e progressista das normas autônomas manifesta-se, com especial intensidade, em contextos locais e regionais. Em um país cuja legislação do trabalho é de competência privativa da União (CF, art. 22, I), muitas demandas nascidas de realidades específicas sequer poderiam ser plenamente captadas pela via estatal centralizada. Por isso, a negociação coletiva emerge como espaço privilegiado para o tratamento de necessidades que escapam ao alcance do legislador federal.Algumas dessas demandas permanecem circunscritas a seus contextos originais, oferecendo soluções pontuais para categorias ou territórios determinados. A história sindical brasileira fornece exemplos expressivos desse processo: no Rio Grande do Sul, trabalhadores deflagraram uma greve pela entrega diária de um quilo de pão - reivindicação elementar, mas simbólica da subsistência digna5; já em Belém do Pará, a paralisação visava preservar o costume do fornecimento de pão doce, que enfrentava um presságio de supressão6. Tais episódios revelam como a diversidade regional nutre o dinamismo do Direito do Trabalho.Outras demandas, no entanto, amadurecem e se irradiam, ganhando densidade normativa suficiente para influenciar o ordenamento jurídico de modo mais amplo. A negociação coletiva opera como força propulsora de inovação normativa, promovendo a progressividade social por meio de conquistas que tendem à generalização. As conquistas que se mostram bem-sucedidas em determinados setores frequentemente se irradiam para outras categorias, criando uma trajetória ascendente de direitos que, com o tempo, passa a demandar do legislador uma resposta sistematizadora e universalizante. Assim, a experiência negocial funciona como campo de experimentação e amadurecimento institucional, cuja sofisticação tende a refletir-se em normas gerais mais robustas e progressistas.5 SILVA, Nauber Gavski da. Costumes ou liberalidades: padeiros de Porto Alegre na Justiça do Trabalho. In: DROPPA, Alisson; LOPES, Aristeu Elisandro Machado; SPERANZA, Clarice Gontarski (org.). História do trabalho revisitada: justiça, ofícios, acervos. Jundiaí: Paco, 2018, p. 167-188. 6 Ibidem.

