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                                    316Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024coletivas e conquistas sociais alcançadas por meio de lutas organizadas14. É nesse terreno de conflitos e reivindicações que se assentam os pilares fundamentais do ordenamento protetivo.A história revela que boa parte das normas hoje consolidadas não precedeu a ação coletiva, mas dela resultou. O chamado “direito legislado” surge, em inúmeros episódios, como resposta à afirmação autônoma dos trabalhadores e seus representantes, sendo frequente a formalização posterior de práticas já estabelecidas por instrumentos coletivos. A lei, nesses casos, não inaugura direitos: reconhece-os e universaliza-os, dando-lhes forma estável.A greve dos tipógrafos, de 1858, no Rio de Janeiro, ilustra esse fenômeno. Os trabalhadores não reivindicavam apenas melhorias remuneratórias, mas a limitação da jornada de trabalho, que ultrapassava doze horas diárias15. A mobilização, ainda que não tenha produzido efeito legislativo imediato, estabeleceu um precedente simbólico e político que influenciaria futuras lutas e formulações normativas. Não se tratava de resistência episódica, mas de afirmação de um novo paradigma nas relações entre capital e trabalho.Em 1866, os caixeiros do comércio paralisaram suas atividades exigindo o fechamento das lojas aos domingos. A defesa do tempo livre e do repouso semanal, à época ausente da legislação, foi almejada como direito em construção pela via coletiva16. A pauta da greve expressava uma concepção ampliada de dignidade, antecipando valores que apenas décadas depois seriam acolhidos pelo ordenamento jurídico.A greve dos cocheiros, em 1875, acrescenta outro elemento essencial à construção da proteção social: a solidariedade entre pares e a resistência à repressão patronal. Os trabalhadores exigiam a readmissão de colegas dispensados por engajamento associativo17. A reivindicação, à época sem respaldo legal, pavimentou o caminho para institutos como a estabilidade sindical e a proibição de práticas antissindicais.Esses episódios, quando analisados em conjunto, revelam uma gênese normativa baseada na construção dialógica entre ação coletiva e recepção estatal. A negociação coletiva, portanto, não é instrumento de 14 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. História do direito do trabalho no Brasil: curso de direito do trabalho. Vol. 1, pt. 2. São Paulo: LTr, 2017, p. 126. 15 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2024, p. 126. 16 MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. 17 Ibidem.
                                
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