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320Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024Em síntese, a segunda função das normas estatais corresponde à noção de que estas fornecem os elementos institucionais necessários para que a negociação ocorra de forma legítima, segura e socialmente eficaz. A função de criação de um ecossistema normativo equilibrado é, portanto, indispensável para a harmonia entre fontes, para a previsibilidade das relações de trabalho e para a construção progressiva de um direito social que seja, ao mesmo tempo, garantidor e adaptável.c) Subsidiariedade (“fallback”) das normas estataisUma terceira função desempenhada pelas normas estatais é a de atuar como mecanismo de subsidiariedade, ou, em outros termos, como sistema de fallback. Trata-se da função de assegurar a continuidade da proteção jurídica quando inexistirem convenções ou acordos coletivos aplicáveis a determinada situação ou quando, por qualquer razão, a negociação não se concretizar.Essa função de proteção torna-se ainda mais relevante diante da vedação da ultratividade das normas coletivas, introduzida de forma expressa pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), que acrescentou ao art. 614 da CLT o §3º, segundo o qual “[...] não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade”. Essa diretriz legislativa veio ao encontro do entendimento firmado liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 323, que suspendeu os efeitos da Súmula 277 do TST em sua redação então vigente - a qual reconhecia a ultratividade das cláusulas coletivas até que nova negociação fosse firmada.Com essa reviravolta jurisprudencial e legislativa, o papel do legislado como fonte de aplicação residual e imediata foi radicalmente reforçado: em situações de impasse ou ausência de norma coletiva superveniente, não há mais preservação automática de conquistas anteriores. Nesse cenário, a norma estatal reassume sua centralidade como referência segura e estabilizadora, funcionando como padrão mínimo até que nova pactuação seja formalmente estabelecida.O ordenamento jurídico não pode permitir que o silêncio negocial gere vácuo normativo. Assim, as normas heterônomas estatais funcionam como plano de fundo permanente, assegurando que, mesmo na ausência de pactuação coletiva, o trabalhador esteja resguardado por um conjunto mínimo de direitos previamente definidos.É justamente por essa razão que o direito estatal deve manter sua vigência contínua e universal, independentemente da existência ou não

