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                                    318Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 307-326, jul./dez. 2024Além da mais elementar dessas funções, isto é, (a) a proteção do núcleo essencial de direitos indisponíveis, destacam-se outras quatro relevantes funções; (b) a constituição de um ecossistema normativo equilibrado, que define o campo de atuação dos sindicatos com base em garantias pré-existentes; (c) a atuação como mecanismo subsidiário (“fallback”); (d) a estabilização de um patamar mínimo que permite soluções criativas; e (e) o exercício de uma função pedagógica e cultural, reafirmando os valores sociais do trabalho e os limites éticos da autonomia privada. A seguir, examina-se cada uma dessas funções.a) Proteção do núcleo essencial de direitos indisponíveisA mais evidente função das normas estatais no Direito do Trabalho é a de preservar um núcleo essencial de direitos absolutamente indisponíveis - um conjunto de garantias cuja renúncia, flexibilização ou supressão é vedada, mesmo no contexto de negociação coletiva formalmente válida. Trata-se de direitos que não existem apenas em razão de sua positividade legal, mas porque se vinculam diretamente à dignidade da pessoa humana e à própria razão de ser do Direito do Trabalho como instrumento de proteção em relações marcadas por desigualdade estrutural.Antes mesmo da consolidação jurisprudencial desta premissa pelo STF no Tema 1046 de repercussão geral, esse princípio já havia sido desenvolvido no plano doutrinário a partir da concepção do hoje Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Mauricio Godinho Delgado, ao formular, ainda na década de 1990, o princípio da adequação setorial negociada. A proposta sustenta que convenções e acordos coletivos podem estabelecer verdadeiras normas jurídicas desde que estabeleçam patamares superiores às normas heterônomas estatais ou transacionem direitos cuja indisponibilidade seja meramente relativa19.É preciso reconhecer, contudo, que a delimitação do que constitui esse núcleo intangível de direitos indisponíveis não é tarefa simples, nem tampouco consensual. A pretensão deste artigo não é estabelecer o rol dos direitos indisponíveis, mas apenas reafirmar que a sua existência é pressuposto normativo necessário à legitimidade da negociação coletiva em um Estado Democrático de Direito.19 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios do direito do trabalho. Jornal Trabalhista (Centro de Assessoria Trabalhista), ano XI, n. 535, 12 dez. 1994.
                                
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