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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 171-187, jul./dez. 2024176um ambiente de vigilância permanente, capaz de identificar milhões de cidadãos em questão de segundos.Embora apresentado como um avanço tecnológico de segurança e eficiência, esse modelo levanta sérias preocupações éticas sobre liberdade individual, privacidade e controle estatal. A ausência de legislação protetiva robusta e a integração de dados entre o governo e empresas privadas criam um cenário distópico, no qual o cidadão perde o controle sobre suas informações pessoais e está sujeito à vigilância constante, sem transparência, sem defesa e sem consentimento.Transportando essa realidade para o contexto brasileiro, ainda que em proporções e objetivos distintos, o uso de inteligência artificial em processos judiciais também pode gerar riscos de perfilamento, discriminação algorítmica e violação do direito à privacidade. Sistemas que processam massas de dados judiciais, por exemplo, podem ser treinados com bases enviesadas ou desatualizadas, replicando injustiças históricas e aprofundando desigualdades estruturais.Além disso, a utilização de dados sensíveis, como histórico de litígios, perfis socioeconômicos ou comportamentais das partes, requer adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), que impõe o dever de tratamento lícito, transparente e seguro. A IA utilizada pelo sistema judiciário não pode operar como uma caixa-preta, inacessível ao controle das partes e ao escrutínio público.O risco, portanto, não está apenas no uso ostensivo de tecnologias invasivas, como o reconhecimento facial, mas também na banalização do uso da IA em atividades judiciais sem o devido cuidado com a ética digital, o controle social e a proteção dos direitos fundamentais.Nesse sentido, a experiência internacional serve como alerta para que o Brasil avance na regulamentação da IA no Judiciário com transparência, controle social e proteção efetiva das garantias constitucionais, evitando a importação de modelos autoritários e desumanizantes de gestão da justiça.5 GOVERNANÇA, AUDITABILIDADE E TRANSPARÊNCIA: AGENDA REGULATÓRIA DO CNJ PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA IAA implementação da inteligência artificial no Judiciário brasileiro não pode se dar de forma fragmentada ou descoordenada. Reconhecendo esse risco, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem estabelecendo diretrizes normativas para garantir que o uso da IA seja ético, seguro, transparente e auditável, como demonstrado na Resolução CNJ nº 332/2020 e na Resolução CNJ nº 615/2025.

