Page 165 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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diz respeito às agressões contra as mulheres, naturalizando condutas
de assédio. Em sua pesquisa, ela observou que as próprias vítimas
minimizavam o assédio e a violência, considerando como algo que
faz parte do “caldo das relações de trabalho”, e optavam pelo silêncio
mesmo quando isso ultrapassava o que era considerado tolerável.
Uma busca na jurisprudência dos tribunais trabalhistas indica
que não há consenso em relação à tipificação do assédio (não como
crime, mas como fenômeno apto a gerar dano e, consequentemente,
indenização) nem quanto aos meios de prova ou à possibilidade de
inversão do ônus. Há divergência, também, no tocante a exigir-se ou
não a reiteração, havendo julgados que se contentam com atos únicos,
outros que exigem continuidade.
Nesta pesquisa, tivemos a oportunidade de ler inúmeros acórdãos
sobre o tema, mas, diante da impossibilidade de comentar todos, em
razão das evidentes limitações de um artigo, optamos por destacar
as diferentes percepções dos julgados a respeito de temas que se
relacionam com questões de gênero e de representações sobre papéis
e condutas tidas como femininas e masculinas. A própria discussão a
respeito do ônus da prova e do valor probante de depoimentos evidencia
percepções dos julgadores a respeito de comportamentos esperados
em determinadas situações, havendo em alguns casos a reprodução de
dúvidas quanto ao consentimento da mulher (por que ela não reagiu?
Não ligou para a polícia? Não denunciou? Por que aceitou ficar a sós com
um homem que já a assediara antes?). Em outros, nota-se uma visão
que busca resguardar a dignidade da mulher assediada, entendendo a
vítima como merecedora de proteção independente de sua vida privada
amorosa, o que pode ser considerado um avanço, pois, quando se
discutem questões relativas à conduta sexual em processos, é comum
ocorrer uma verdadeira inversão, com a vida privada da vítima sendo
devassada e sua conduta anterior e/ou independente dos fatos (como a
eventual manutenção de relacionamentos extraconjugais com terceiros)
sendo alvo de julgamentos morais. Destacaremos, ainda, uma sentença,
confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, que
reconheceu o teor machista de um assédio disfarçado de brincadeira.
Iniciamos comentando um trecho contido no corpo do acórdão
resultante do julgamento de Embargos de declaração pela segunda turma
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 151-182, jan./jun. 2020