Page 168 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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               Nesse  acórdão,  o  tribunal  reconhece  a  limitação  contida  na
          disposição  penal  a  respeito  da  caracterização  do  assédio,  excluindo
          a  necessidade  de  relação  hierárquica  entre  as  partes.  Trata-se  de
          interpretação fundamental a fim de não deixar impunes condutas que
          infligem  efetivo  dano  moral  à  pessoa  assediada  e  que  acolhe,  ainda
          que não de forma explícita, a tese de que sobrepaira uma hierarquia de
          ordem sexual, que torna possível o assédio mesmo diante da inexistência
          de hierarquia organizacional.

                                ASSÉDIO SEXUAL. A saída escolhida pelos reclamados
                                foi dizer que as falas foram captadas em ambiente de
                                descontração. Contudo, o humor, a descontração não
                                podem  ser  considerados  desculpa  para  essa  atitude.
                                Com se verifica cotidianamente, a violência simbólica
                                faz  com  que  mesmo  os  opressores  por  vezes  não
                                reconheçam a violência que exercem, acreditando que
                                suas ações são naturais e justificadas, sendo que um dos
                                principais canais para o exercício da violência simbólica
                                é  o  discurso.  O  humor  é  inúmeras  vezes  utilizado
                                como subterfúgio para a violência simbólica. Quando
                                contraditados,  os  opressores  sempre  argumentam
                                que “foi só uma piada” e reclamam que “hoje em dia
                                não se pode mais brincar com nada”, “estão querendo
                                criminalizar tudo, até uma simples brincadeira”. Seria
                                o discurso aceitável há algumas décadas, mas não nos
                                dias de hoje. Pedir a uma mulher, como no caso em
                                análise, que levante sua blusa para mostrar seus seios,
                                ou que proceda a outros atos eróticos intranscritíveis
                                (últimas  falas  do  ID.  d192578  -  p.  4),  não  é  uma
                                piada.  Trata-se  de  um  discurso  machista,  altamente
                                impregnado  com  conteúdo  pejorativo,  diminuindo  a
                                figura feminina, reforçando o poder do homem/patrão
                                com nítido intuito de intimidar a mulher/empregada.
                                Ademais,  o  contexto  do  diálogo  gravado  demonstra,
                                ao contrário da defesa, um tom ameaçador, tentando
                                submeter  a  reclamante  à  arrogância  do  segundo
                                reclamado.  (Fragmento  sentencial  de  lavra  da  MM.
                                Juíza  Ana  Luiza  Fischer  Teixeira  de  Souza).  (TRT  da
                                3ª  Região.  PJe:  0011453-76.2017.5.03.0037  (RO),
                                Disponibilização: 12.12.2018; Órgão Julgador: Primeira
                                Turma; Relator: Luiz Otávio Linhares Renault.)


                Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 151-182, jan./jun. 2020
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