Page 190 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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               O  método  de  análise  interseccional  é  deveras  necessário  para
          o  estudo  da  composição  da  categoria  profissional  ligada  ao  trabalho
          doméstico,  composta,  majoritariamente,  por  mulheres,  em  particular
          mulheres negras. Tal composição não é acidental e, por isso, deve ser
          considerada  na  leitura  que  se  pretende  fazer  do  assédio  sexual  das
          trabalhadoras domésticas.
               Há uma norma social predominante no senso comum de que os
          cuidados devem ser proporcionados informalmente pelas famílias , em
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          especial pelas mulheres. Essa lógica tem importantes implicações para
          entender as nuances da força de trabalho feminina, já que a persistência
          das  desigualdades  de  gênero  no  mercado  trabalhista  é,  ao  mesmo
          tempo, causa e consequência do volume desproporcional de trabalho
          não pago  que as mulheres realizam em casa ou que é “externalizado” - e
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          pago - a outras mulheres (SORJ, 2008, p. 77).
               Desse modo, resta clara a problemática da articulação entre trabalho
          remunerado e cuidados com a família, acentuada na contemporaneidade
          pelas  mudanças  recentes  nas  estruturas  familiares  e  na  composição
          de gênero do mercado de trabalho no país.  Essas mudanças agravam
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          as tensões entre as demandas de tempo das mulheres, que precisam
          cada vez mais dividir sua dedicação entre o trabalho remunerado e os
          cuidados familiares. Acrescenta-se a isso que a classe social das mulheres
          interfere sobre o tempo despendido nos cuidados e afazeres domésticos:
          mulheres pertencentes a estratos de renda superiores podem arcar com
          os serviços de empregadas domésticas (SORJ, 2008, p. 83).
               Desse  modo,  boa  parte  das  desigualdades  de  tempo  dedicado
          aos afazeres domésticos entre mulheres de classes sociais distintas se
          deve à “externalização” desse tipo de serviço a empregadas contratadas
          pelas  mulheres  das  classes  mais  favorecidas.  Eduardo  Zepeda  calcula
          que quase metade das mulheres pobres ocupadas no Brasil trabalha em
          empregos domésticos, uns dos percentuais mais altos da América Latina
          (ZAPEDA, 2008, p. 27). Bila Sorj complementa esses dados:


          5    Uma  vez  que,  no  Brasil,  prevalece  a  concepção  de  que  as  responsabilidades  familiares  são  um
            assunto a ser resolvido privadamente pelas famílias, na medida em que as políticas públicas e as
            instituições voltadas, entre outras, à provisão de cuidados das crianças, idosos, doentes e portadores
            de necessidades especiais são precárias e insuficientemente desenvolvidas (SORJ, 2008).
          6    Fala-se em “trabalho não pago” para afirmar politicamente que se trata de um trabalho, ainda que
            desvalorizado. “O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago.” (FEDERICI, 2019).
          7    Com o passar dos anos, a fatia do mercado de trabalho ocupada pelas mulheres aumentou. Segundo
            o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 14% das mulheres tinham emprego
            nos anos 1950 e o censo de 2010 mostra que esse número passou para 49,9% (IBGE, 2010).


                Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 183-215, jan./jun. 2020
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