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mais, o fenômeno se verifica em vários níveis de emprego, porém se
agrava com intensidade quando relacionado a cargos mais modestos,
devido à dependência econômica e vulnerabilidade (CUNHA, 2011, p. 13).
A categoria das trabalhadoras domésticas, desprezadas socialmente
e precarizadas legalmente, está entre as principais vítimas do assédio
sexual. Ao analisar esse dado, é essencial considerar que, conforme
exposto, no Brasil a abordagem também precisa contemplar a questão
racial. Nas palavras de Hildete Melo, “[...] no Brasil as negras passaram
diretamente da senzala para o trabalho doméstico.” (MELO, 1998, p. 08),
resquícios que o legado da escravidão anuiu a essas mulheres.
A cultura do estupro se faz presente desde o tempo da escravidão.
O assédio contra empregadas domésticas histórica e diametralmente
viola o direito das trabalhadoras à segurança no trabalho, cria condições
prejudiciais ao seu bem-estar físico e psicológico e interfere no âmbito
de trabalho ao concretizar uma atmosfera que fragiliza e desmoraliza
a mulher, infligindo a ela a sujeição e um sistemático rebaixamento de
direitos e limites morais.
O patrão assediador utiliza-se do espaço de convivência e da
confiança que se estabelece - quer pelos laços de afinidade, quer a
partir das relações de subordinação. Revestido de crenças machistas e
patriarcais, o empregador se sente protegido pela inviolabilidade do lar e
se vê no direito de dispor dos corpos das trabalhadoras, principalmente
adolescentes e jovens. A agressão sexual é sórdida e clandestina, pois
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o seu autor age em lugares fechados, longe de testemunhas, para não
ser identificado.
A maior dificuldade hoje enfrentada para a detecção do
assédio sexual entre as trabalhadoras domésticas está justamente na
invisibilidade da violência. Não há dados governamentais estatísticos
específicos sobre o tema. Se não há dados, significa que não há crime?
Como lidar com um problema que não é registrado? Por outro lado, a
mídia tem colaborado, mesmo que timidamente, uma vez que se sabe
11 Segundo conteúdo disponibilizado pela pesquisa “O trabalho infantil doméstico no Brasil”, divulgada
pelo IBGE em maio de 2013, trouxe números alarmantes: cerca de 258 mil crianças e adolescentes
(entre cinco e 17 anos) ainda estavam ocupados no trabalho infantil doméstico no Brasil, em
condições precárias de salário, dentre tanto outros dados que apontam todos os dias as barbáries da
precarização do trabalho feminino. IBGE, O TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO NO BRASIL Avaliação a
partir dos micro dados da Pnad/IBGE (2008-2011). Divulgada pelo IBGE em maio de 2013. Disponível
em: encurtador.com.br/lvx78. Acesso em: 05 ago. 2020.
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 183-215, jan./jun. 2020