Page 488 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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Se assim não fosse, a questão estaria solucionada pela mera
leitura do contrato, em que a autora do contrato, a Ré, denomina a parte
contratada, o Autor (um motorista), de “cliente”. Somente o leigo, porém,
cederia à facilidade de tal solução - que, por sua vez, seria enganosa: se o
contratante é um “prestador de serviços”, e o contratado é um “cliente”,
então aí estaria definida uma relação que sequer seria de parceria
comercial, como afirma a Ré, e nem de emprego, como afirma o Autor,
mas uma relação “prestador-cliente”, ou seja, uma relação jurídica de
consumo. O operador técnico do Direito, porém, sabe que o CDC faz
uma delimitação jurídica clara do que sejam os pressupostos da relação
de consumo - que não se verificam, neste caso, entre Autor e Ré (a
exemplo do suposto consumerista da “destinação final”) - e que envolvem
elementos que ultrapassam, bastante, a mera existência de uma pessoa
autodenominada “prestadora” e outra por ela denominada “cliente”.
Então, o operador técnico não se seduz por eufemismos e jogos
de palavras: estabelece o fato, sem as contaminações dos particulares
(examina, como visto, “o que é que verdadeiramente se passa entre
homens”), e o categoriza em face da ordem jurídica vigente. Até porque
a fraude sem alguma malícia seria mera violência:
Não há dúvida que viola a lei o que, rodeado pelas
palavras da lei, se esforça contra a vontade da lei: e
não evitará as penas insertas nas leis quem, fraudu-
lentamente, por esquerda prerrogativa de palavras,
se escusa contra o sentido do direito. (MIRANDA,
Tomo I, 2012, p. 89.)
Analisados tecnicamente, os contratos e adendos de f. 1.312
e seguintes têm a natureza jurídica de contrato de adesão. Conforme
Arnoldo Wald (Revista de Informação Legislativa, vol. 17, n. 66. Brasília:
Senado Federal, 1980. p. 257), a denominação “contrato de adesão” é
atribuída ao jurista francês Raymond Saleilles, que, já em 1929, entendia
tal contrato como “[...] uma verdadeira declaração de vontade emitida
por um dos contratantes e aceita pelo outro.”
Os juristas nem sempre concordaram que se pudesse denominar
“contrato” um instrumento em que a liberdade de uma das partes se
limitasse a aceitar ou não o estabelecido pela outra, sem nada poder
negociar acerca do conteúdo que a última estabeleceu. Não obstante,
tal instrumento passou a ter uso cada vez mais frequente, proporcional
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020