Page 498 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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               - Conforme prova de f. 72, a Ré proíbe os motoristas de ligarem a
          cobrar para os passageiros. A esta altura, vale apontar algo significativo,
          que talvez já tenha sido observado pelo operador da ciência jurídica, que
          até aqui chegou: há contrato entre a Ré e o motorista, e há contrato entre
          a Ré e o passageiro, mas não existe qualquer contrato entre o motorista e
          o passageiro cliente da Ré. Claro que também há, entre estes, uma relação
          jurídica, mas não há contrato em que o passageiro estabeleça o que o
          motorista pode, ou não, fazer, em relação a si (e vice-versa). É sempre a
          Ré a única organizadora, em contratos de adesão com o passageiro cliente
          e com o motorista, de como a prestação dos serviços por ela oferecidos e
          viabilizados deve ocorrer. E é a própria Ré quem, no seu contrato de adesão
          com o Autor, impõe que ele, expressamente, em sua atividade deverá
          respeitar as decisões do passageiro, v.g., quanto à rota a ser tomada.

               Todas  as  determinações,  imposições  do  modus  faciendi
          e  recomendações  aos  motoristas  (dentre  eles,  o  Autor),  acima
          exemplificadas, devem ser por eles observadas, sob pena de punição
          destes, pelo alijamento deles da possibilidade da prestação de serviços
          (ou  suspensão  temporária,  como  a  de  10  minutos  comprovada  pelo
          documento  de  f.  103/104  e  f.  107).  A  cláusula  2.4  do  contrato  de
          adesão, à f. 1.317, é verdadeira cláusula penal de garantia das vontades
          unilaterais da Ré: ela se reserva no direito de, a qualquer momento, a
          seu exclusivo critério, desativar ou restringir o motorista de acessar ou
          utilizar o Aplicativo de Motorista ou Serviços da Uber “caso ocorra uma
          violação do Contrato”, ou por qualquer outra razão, “a critério exclusivo
          e razoável” da Ré.
               E  tais  cláusulas  que  estabelecem  penalidade  aos  motoristas
          repetem-se em vários outros pontos do contrato, sendo outro exemplo
          a cláusula 3.1, à f. 1.320, em que a Ré reserva-se o direito de, a qualquer
          momento  e  a  seu  exclusivo  critério,  desativar  ou  ainda  restringir  o
          contratante de acessar ou utilizar o Aplicativo de Motorista ou os Serviços
          da Uber, caso ele deixe de cumprir os requisitos fixados no presente
          Contrato ou no Adendo de Motorista.


               III.3 - Categorização jurídica da relação

               Explicitados  os  fatos,  passa-se  ao  passo  seguinte,  a  análise  do
          enquadramento jurídico destes fatos. Como já brevemente antecipado,


                Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020
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