Page 559 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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III.7.B.a) “O Autor assumiu o risco do negócio”
Trata-se de mais uma posição de defesa fundada em venire contra
factum proprium, vez que a Ré é quem criou e organiza o modelo de
negócio, mas, como já visto à exaustão, de maneira fraudulenta em
relação a vários aspectos deste modelo, em que ela, retoricamente,
não se reconhece como o que é, uma empresa de transporte urbano de
pessoas - embora a ordem jurídica nacional (e também internacional,
como já visto) atribua exatamente esta natureza jurídica à atividade
econômica por ela prestada.
O operador do Direito que se seduz por tal argumento acata,
implicitamente, a noção antijurídica de que tanto o Estado-sujeito-de-
direito, como até mesmo o Estado-ordem-jurídica se submeteriam às
vontades unilaterais externadas pela Ré em seu contrato de adesão -
como se a Ré tivesse, então, o poder supraestatal de escolher livremente
seu enquadramento tributário, ou trabalhista.
O objetivo de quem age de forma fraudulenta é justamente
buscar irresponsabilizar-se perante todos: perante o Estado, perante o
consumidor, perante o trabalhador, transferindo a todos estes os ônus e
riscos de seu negócio, mesmo contra o que impõe a lei.
A Ré transferiu parte do risco da atividade para o trabalhador
(violando normas trabalhistas), transferiu outra parte para o passageiro
(violando normas de consumidor e de responsabilidade objetiva do
transportador do CCb), transferiu outra parte para o Estado, ao não
cumprir todas obrigações fiscais e previdenciárias do real enquadramento
de sua atividade econômica.
Se o operador do Direito, em vez de identificar e reprimir a violação
à lei, usa-a como argumento autorreferente, justificador da própria
violação, então não só atua de forma atécnica: perdeu-se a ponto de
nem mais conseguir perceber que tornou inútil o próprio Direito.
Daí que, conforme já observado no “III.7.A.b”, em países
centrais do capitalismo, como os EUA, o município de Nova Iorque já
ter estabelecido um salário-mínimo-hora bruto, a ser respeitado pelo
ramo local da Ré, no valor de USD 26,51, que cobre todos os custos do
trabalhador com carro, combustível e impostos, tendo estabelecido,
simultaneamente, que a Ré deverá pagar, por hora, o valor líquido de
USD 17, 22 “after expenses”, ou seja, o valor hora que o trabalhador
recebe por sua atividade, já descontados todos os seus gastos.
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020