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                    III.7.B.a) “O Autor assumiu o risco do negócio”

                    Trata-se de mais uma posição de defesa fundada em venire contra
               factum proprium, vez que a Ré é quem criou e organiza o modelo de
               negócio,  mas,  como  já  visto  à  exaustão,  de  maneira  fraudulenta  em
               relação  a  vários  aspectos  deste  modelo,  em  que  ela,  retoricamente,
               não se reconhece como o que é, uma empresa de transporte urbano de
               pessoas - embora a ordem jurídica nacional (e também internacional,
               como  já  visto)  atribua  exatamente  esta  natureza  jurídica  à  atividade
               econômica por ela prestada.
                    O  operador  do  Direito  que  se  seduz  por  tal  argumento  acata,
               implicitamente, a noção antijurídica de que tanto o Estado-sujeito-de-
               direito, como até mesmo o Estado-ordem-jurídica se submeteriam às
               vontades unilaterais externadas pela Ré em seu contrato de adesão -
               como se a Ré tivesse, então, o poder supraestatal de escolher livremente
               seu enquadramento tributário, ou trabalhista.
                    O  objetivo  de  quem  age  de  forma  fraudulenta  é  justamente
               buscar irresponsabilizar-se perante todos: perante o Estado, perante o
               consumidor, perante o trabalhador, transferindo a todos estes os ônus e
               riscos de seu negócio, mesmo contra o que impõe a lei.
                    A  Ré  transferiu  parte  do  risco  da  atividade  para  o  trabalhador
               (violando normas trabalhistas), transferiu outra parte para o passageiro
               (violando  normas  de  consumidor  e  de  responsabilidade  objetiva  do
               transportador  do  CCb),  transferiu  outra  parte  para  o  Estado,  ao  não
               cumprir todas obrigações fiscais e previdenciárias do real enquadramento
               de sua atividade econômica.
                    Se o operador do Direito, em vez de identificar e reprimir a violação
               à  lei,  usa-a  como  argumento  autorreferente,  justificador  da  própria
               violação, então não só atua de forma atécnica: perdeu-se a ponto de
               nem mais conseguir perceber que tornou inútil o próprio Direito.
                    Daí  que,  conforme  já  observado  no  “III.7.A.b”,  em  países
               centrais do capitalismo, como os EUA, o município de Nova Iorque já
               ter estabelecido um salário-mínimo-hora bruto, a ser respeitado pelo
               ramo local da Ré, no valor de USD 26,51, que cobre todos os custos do
               trabalhador  com  carro,  combustível  e  impostos,  tendo  estabelecido,
               simultaneamente, que a Ré deverá pagar, por hora, o valor líquido de
               USD 17, 22 “after expenses”, ou seja, o valor hora que o trabalhador
               recebe por sua atividade, já descontados todos os seus gastos.


                     Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020
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