Page 563 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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o direito estabelece a ordem de análise dos fatos em contraposição à
norma, e que o hermeneuta deve policiar-se, para não se deixar seduzir
por argumentos leigos e não verificados sequer nas áreas das demais
ciências em que se enquadrem - como, por exemplo, de que, numa
relação de emprego, o empregador deve ficar com o maior percentual
do serviço prestado.
Não se trata de um hermetismo da ciência jurídica: argumentos
de outras ciências podem, perfeitamente, ser trazidos à discussão do
Direito, mas devem, primeiro, estar corretos e, em segundo lugar, serem
trazidos através do Direito, e não o suplantando.
Mas o argumento dos 75%/25%, que é trazido pela Ré, para dar
a entender que o Autor tem maior ganho ou vantagem do que ela, não
é válido, sequer, para a ciência econômica, que não prioriza o valor do
serviço sobre o lucro dele resultante - este, sim, o ganho ou vantagem
retirado de uma atividade em relação aos seus custos.
O conceito de lucro, trazido através do direito (Decreto-Lei n.
1.598/1977), é o do resultado das atividades principais ou acessórias,
que constituam objeto da pessoa jurídica (lucro operacional), somado
aos resultados não operacionais, saldos de contas e de participações
(lucro líquido), ajustado pelas adições, exclusões ou compensações
prescritas ou autorizadas pela lei tributária (lucro real).
Assim, apenas realizadas todas as operações, é que se pode aferir
quanto de vantagem - ou desvantagem - resultou de uma atividade.
Antes disso, não é possível estabelecer se, numa relação jurídica, há
superioridade entre receber 75% ou 25% de um serviço.
Até porque esta ordem jurídica regra a realidade da vida: nesta
realidade, é possível que, mesmo recebendo 75% do valor bruto do
serviço, o motorista sofra desvantagem, ao final de certo período de
prestação desta atividade (seja dia, semana, mês ou ano), em relação a
Uber, que recebe 25% do valor bruto do serviço.
Tal questão, porém, ainda que fosse juridicamente relevante e que
tivesse sido colocada de forma mais adequada pela Ré, não pode ser
aqui analisada, pois nenhuma das partes trouxe aos autos informações
acerca do que para elas resultou de vantagem (ou desvantagem) nesta
atividade - não sendo possível aferir, portanto, se o percentual de 75% /
25% indicou dominância de alguma destas.
Por isso, não se arriscará afirmar, nesta decisão, que, ao final
de certo período, a Ré lucra mais que o Autor, ou que qualquer outro
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020