Page 565 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
P. 565

565


               que roda o aplicativo, pode ser do próprio Autor, ou pode ser fornecido
               pela Ré, conforme cláusula 2.7, à f. 1.318.
                    Que o empregado não seja obrigado a utilizar de ferramentas e
               instrumentos  próprios  para  trabalhar  representa,  juridicamente,  um
               direito  decorrente  da  relação  de  emprego  -  e  não  um  pressuposto
               para o reconhecimento desta. E, uma vez que utilize de suas próprias
               ferramentas,  desde  que  com  a  ciência  do  empregador,  deve  ser
               indenizado pelo desgaste destas ferramentas.
                    Não  são  poucas  as  relações  de  emprego  em  que  o  empregado
               utiliza suas próprias ferramentas, sendo algumas delas até automóveis,
               a exemplo do que se observa nas ações 0010668-55.2018.5.03.0110 e
               0002160-93.2013.5.03.0111, em que o empregado, incontroversamente
               registrado  pela  Ré,  trabalhava  com  veículo  próprio.  A  utilização  de
               ferramenta  própria,  enfim,  não  descaracteriza  a  relação  de  emprego,
               apenas gera para o empregador o dever de indenizar o desgaste de tais
               ferramentas.
                    Assim, embora desnecessário que se prossiga na análise jurídica
               desta questão, não se foge a ponderar se o empregado que trabalha com
               veículo próprio realmente pode, por tal circunstância, ser considerado o
               “detentor dos meios de produção”, diante do elemento da organização
               econômica da Ré sem o qual seria impossível que houvesse a atividade
               de  transporte  prevista  no  inciso  X  do  art.  4  º  da  Lei  n.  12.587/2012,
               conforme redação dada pela Lei n. 13.640/2018.
                    Impossível não só porque seria ilegal - conforme impõe esta mesma
               norma -, mas, principalmente, porque seria impraticável na realidade da
               vida. Se a Ré (e empresas com atividade econômica semelhante) não
               tivesse organizado a atividade econômica a partir deste seu aplicativo,
               tal atividade econômica não existiria.
                    O “meio de produção” chave, assim, é a organização da atividade
               pela Ré, em grande parte realizada por ela através de sua ferramenta, o
               aplicativo “Uber”, que é de sua propriedade exclusiva (conforme cláusula
               5, à f. 1.325 e 1.326). Ferramenta meritória, porque permite que, através
               dela,  a  Ré  exerça  uma  sofisticada  forma  de  organização  da  atividade
               econômica de transporte de passageiros, a ponto de tal sofisticação ter
               sido reconhecida pelo mercado, quando da abertura de capital da Ré,
               cujo valor organizacional foi atribuído em torno de 82.400.000.000,00 de
               dólares - cerca de 420 bilhões de reais, em valores convertidos para real
               brasileiro (fato este apurado pela consulta realizada ao sítio eletrônico


                     Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020
   560   561   562   563   564   565   566   567   568   569   570