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que roda o aplicativo, pode ser do próprio Autor, ou pode ser fornecido
pela Ré, conforme cláusula 2.7, à f. 1.318.
Que o empregado não seja obrigado a utilizar de ferramentas e
instrumentos próprios para trabalhar representa, juridicamente, um
direito decorrente da relação de emprego - e não um pressuposto
para o reconhecimento desta. E, uma vez que utilize de suas próprias
ferramentas, desde que com a ciência do empregador, deve ser
indenizado pelo desgaste destas ferramentas.
Não são poucas as relações de emprego em que o empregado
utiliza suas próprias ferramentas, sendo algumas delas até automóveis,
a exemplo do que se observa nas ações 0010668-55.2018.5.03.0110 e
0002160-93.2013.5.03.0111, em que o empregado, incontroversamente
registrado pela Ré, trabalhava com veículo próprio. A utilização de
ferramenta própria, enfim, não descaracteriza a relação de emprego,
apenas gera para o empregador o dever de indenizar o desgaste de tais
ferramentas.
Assim, embora desnecessário que se prossiga na análise jurídica
desta questão, não se foge a ponderar se o empregado que trabalha com
veículo próprio realmente pode, por tal circunstância, ser considerado o
“detentor dos meios de produção”, diante do elemento da organização
econômica da Ré sem o qual seria impossível que houvesse a atividade
de transporte prevista no inciso X do art. 4 º da Lei n. 12.587/2012,
conforme redação dada pela Lei n. 13.640/2018.
Impossível não só porque seria ilegal - conforme impõe esta mesma
norma -, mas, principalmente, porque seria impraticável na realidade da
vida. Se a Ré (e empresas com atividade econômica semelhante) não
tivesse organizado a atividade econômica a partir deste seu aplicativo,
tal atividade econômica não existiria.
O “meio de produção” chave, assim, é a organização da atividade
pela Ré, em grande parte realizada por ela através de sua ferramenta, o
aplicativo “Uber”, que é de sua propriedade exclusiva (conforme cláusula
5, à f. 1.325 e 1.326). Ferramenta meritória, porque permite que, através
dela, a Ré exerça uma sofisticada forma de organização da atividade
econômica de transporte de passageiros, a ponto de tal sofisticação ter
sido reconhecida pelo mercado, quando da abertura de capital da Ré,
cujo valor organizacional foi atribuído em torno de 82.400.000.000,00 de
dólares - cerca de 420 bilhões de reais, em valores convertidos para real
brasileiro (fato este apurado pela consulta realizada ao sítio eletrônico
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020