Page 560 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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O estado da Califórnia já rejeitou a proposta de USD 21,00 brutos,
feita pelo ramo local da Ré (aliás, é o seu estado sede), estando em curso
de regulamentação do salário mínimo hora bruto e líquido, justamente
para isolar o trabalhador dos riscos impostos pela Ré. E que, como
visto, municípios, como o de Los Angeles, já expediram projeto de lei
(“Bill”) estabelecendo o salário hora bruto de USD 30,00, sendo que a
votação foi suspensa para a realização do estudo dos ganhos e gastos
dos trabalhadores de Uber neste município.
Enfim: os países centrais do capitalismo têm, concretamente,
através de seus poderes legislativos, minorado os riscos específicos da
atividade para o motorista de Uber - da mesma forma que a CLT, no
Brasil, já faz, genericamente, quanto à determinação de indenização ao
empregado pelos gastos por ele realizados em função do seu trabalho.
Isso é outra clara demonstração da necessidade da compreensão
do Direito como sistema, para que não se lhe destrua através da
premiação à violação da ordem jurídica, em vez de se promover a
repressão a esta violação.
Além do erro mais grave, apontado acima, erros mais específicos
podem ser também juridicamente apontados neste argumento:
conquanto o art. 2º da CLT descreva o empregador enquanto organizador
da atividade (“a empresa”), atribuindo-lhe a assunção dos riscos da
atividade econômica, desconhece-se doutrina que, do ponto de vista
do empregado, liste a “não assunção de riscos da atividade econômica”
como um dos “pressupostos essenciais” à formação da relação jurídica
de emprego. Toda doutrina, não importa o modelo teórico adotado,
simplesmente aponta nisso uma característica dos efeitos do “princípio
da alteridade”, que iluminou o legislador, ao proteger o empregado de
parte dos riscos de uma atividade por ele não organizada.
Somente a descuidada inversão de causa e efeito geraria a
impressão de que a minoração da assunção dos riscos da atividade pelo
empregado seria a causa de uma relação de emprego, em vez de um
efeito da relação de emprego - e um dos efeitos mais compreensíveis: o
empregador deve assumir, tanto quanto possível, os riscos da atividade,
porque é ele quem a organiza; o empregado, por sua vez, não tem as
rédeas, não tem poder algum de direção sobre a atividade empresarial
(tal qual ocorre entre Autor e Ré).
E, mesmo do ponto de vista do empregado, a ordem jurídica não
elimina tais riscos, apenas os minora, o quanto pode. Em momento
algum, nem mesmo diante das muitas dezenas de reformas pelas quais
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020